* Annotated with author biography.
"Eis aí vão algumas páginas escritas, às quais me atrevi dar o nome de romance. Não foi ele movido por nenhuma dessas três poderosas inspirações que tantas vezes soem amparar as penas dos autores: glória, amor e interesse. Desse último estou eu bem a coberto com meus 23 anos de idade, que não é na juventude que pode ele dirigir o homem; a glória só se andasse ela caída de suas alturas, rojando as asas quebradas, me lembraria eu, tão pela terra que rastejo, de pretender ir apanhá-la. A respeito do amor não falemos, pois se me estivesse o buliçoso a fazer cócegas no coração, bem sabia eu que mais proveitoso me seria gastar meia dúzia de semanas aprendendo numa sala de dança, do que velar trinta noites garatujando o que por aí vai. Este pequeno romance deve sua existência somente aos dias de desenfado e folga que passei no belo Itaboraí, durante as férias do ano passado. Longe do bulício da corte e quase em ócio, a minha imaginação assentou lá consigo que bom ensejo era esse de fazer travessuras, e em resultado delas saiu a Moreninha.
Dir-me-ão que o ser a minha imaginação traquinas não é um motivo plausível para vir eu maçar a paciência dos leitores com uma composição balda de merecimento e cheia de irregularidades e defeitos; mas que querem? Quem escreve olha a sua obra como seu filho, e todo o mundo sabe que o pai acha sempre graças e bondades na querida prole.
Do que vem dito concluir-se-á que a Moreninha é minha filha: exatamente assim penso eu. Pode ser que me acusem por não tê-la conservado debaixo de minhas vistas por mais tempo, para corrigir suas imperfeições; esse era o meu primeiro intento. A Moreninha não é a única filha que possuo: tem três irmãos que pretendo educar com esmero, e o mesmo faria a ela; porém esta menina saiu tão travessa, tão impertinente, que não pude mais sofrê-la no seu berço de carteira e, para ver-me livre dela, venho depositá-la nas mãos do público, de cuja benignidade e paciência tenho ouvido grandes elogios.
Eu, pois, conto que, não esquecendo a fama antiga, o público a receba e lhe perdoe seus senões, maus modos e leviandades. E uma criança que terá, quando muito, seis meses de idade; merece a compaixão que por ela imploro; mas, se lhe notarem graves defeitos de educação, que provenham da ignorância do pai, rogo que não os deixem passar por alto; acusem-nos, que daí tirarei eu muito proveito, criando e educando melhor os irmãozinhos que a Moreninha tem cá.
F tu, filha minha, vai com a bênção paterna e queira o céu que ditosa sejas. Nem por seres traquinas te estimo menos; e, como prova, vou em despedida dar-te um precioso conselho: recebe, filha, com gratidão, a crítica do homem instruído; não chores se com a unha marcarem o lugar em que tiveres mais notável senão, e quando te disserem que por este erro ou aquela falta não és boa menina, jamais te arrepies, antes agradece e anima-te sempre com as palavras do velho poeta:
"Deixa-te repreender de quem bem te ama,
Que, ou te aproveita ou quer aproveitar-te.""
"Eis aí vão algumas páginas escritas, às quais me atrevi dar o nome de romance. Não foi ele movido por nenhuma dessas três poderosas inspirações que tantas vezes soem amparar as penas dos autores: glória, amor e interesse. Desse último estou eu bem a coberto com meus 23 anos de idade, que não é na juventude que pode ele dirigir o homem; a glória só se andasse ela caída de suas alturas, rojando as asas quebradas, me lembraria eu, tão pela terra que rastejo, de pretender ir apanhá-la. A respeito do amor não falemos, pois se me estivesse o buliçoso a fazer cócegas no coração, bem sabia eu que mais proveitoso me seria gastar meia dúzia de semanas aprendendo numa sala de dança, do que velar trinta noites garatujando o que por aí vai. Este pequeno romance deve sua existência somente aos dias de desenfado e folga que passei no belo Itaboraí, durante as férias do ano passado. Longe do bulício da corte e quase em ócio, a minha imaginação assentou lá consigo que bom ensejo era esse de fazer travessuras, e em resultado delas saiu a Moreninha.
Dir-me-ão que o ser a minha imaginação traquinas não é um motivo plausível para vir eu maçar a paciência dos leitores com uma composição balda de merecimento e cheia de irregularidades e defeitos; mas que querem? Quem escreve olha a sua obra como seu filho, e todo o mundo sabe que o pai acha sempre graças e bondades na querida prole.
Do que vem dito concluir-se-á que a Moreninha é minha filha: exatamente assim penso eu. Pode ser que me acusem por não tê-la conservado debaixo de minhas vistas por mais tempo, para corrigir suas imperfeições; esse era o meu primeiro intento. A Moreninha não é a única filha que possuo: tem três irmãos que pretendo educar com esmero, e o mesmo faria a ela; porém esta menina saiu tão travessa, tão impertinente, que não pude mais sofrê-la no seu berço de carteira e, para ver-me livre dela, venho depositá-la nas mãos do público, de cuja benignidade e paciência tenho ouvido grandes elogios.
Eu, pois, conto que, não esquecendo a fama antiga, o público a receba e lhe perdoe seus senões, maus modos e leviandades. E uma criança que terá, quando muito, seis meses de idade; merece a compaixão que por ela imploro; mas, se lhe notarem graves defeitos de educação, que provenham da ignorância do pai, rogo que não os deixem passar por alto; acusem-nos, que daí tirarei eu muito proveito, criando e educando melhor os irmãozinhos que a Moreninha tem cá.
F tu, filha minha, vai com a bênção paterna e queira o céu que ditosa sejas. Nem por seres traquinas te estimo menos; e, como prova, vou em despedida dar-te um precioso conselho: recebe, filha, com gratidão, a crítica do homem instruído; não chores se com a unha marcarem o lugar em que tiveres mais notável senão, e quando te disserem que por este erro ou aquela falta não és boa menina, jamais te arrepies, antes agradece e anima-te sempre com as palavras do velho poeta:
"Deixa-te repreender de quem bem te ama,
Que, ou te aproveita ou quer aproveitar-te.""