?O leitor se comprazerá, por certo, na leitura dos sonetos de Shakespeare na recriação de Ivo Barroso, pois verá que são criaturas ? a palavra é perfeita para o caso ? que vivem vida vital em língua portuguesa. Mas se comprazerá mais ainda quando se puser a observar os prodígios de correspondências ou compensações isotópicas que foram consumados na transfusão tradutora.
Os exemplos podem ser dados a cada soneto, a cada unidade isotópica qualquer ? métrica, rítmica, rímica, anastrófica, homeotelêutica, aliterante, assonante, e quantos palavrões mais se quiserem.
Mas houve e há traduções: as que, infiéis, são fiéis ao dito traduttore traditore, e as que, fiéis, são obras de amor. Que é, nas condições modernas, vale dizer, com a repetibilidade tipográfica, tradução de amor?
Uma tradução de amor é a que se consome na busca de uma estrutura de valores, elementos, pertinências e funções equivalentes aos da original.
Pois, de fato, [...] é isso que nos dá Ivo Barroso com os seus sonetos shakespearianos, aceitando o mais desigual dos desafios, que é o do tradutor por amor ? já que ele sabe que a um só original podem corresponder mil soluções e que a sua deve ser, por amor, a mais pertinente.
Quando a vida ameaça ser embrutecida por urgências desumanizadoras, é um bem dedicar algumas horas, ao longo de alguns meses, na comungação de arte-artifício-artesania tão belos como os que nos oferece Ivo Barroso com seus sonetos reinventados sobre a mais pura matéria-prima da poética universal.?
Antônio Houaiss