A Coleção Mar de Histórias: antologia do conto mundial é composta por 10 volumes independentes que contém, nada menos, que 239 contos, de 192 autores escolhidos entre os melhores de 41 países. A expressão Mar de Histórias foi tirada do título, em sânscrito, Kathâsaritsâgara, de uma antiga coletânea da Índia, do século XI. A sua tradução significa isso mesmo: ?mar formado pelos rios de histórias?. A obra foi organizada há mais de quarenta anos por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, dois dos maiores tradutores e estudiosos da Literatura Mundial em todos os tempos e gêneros.
O leitor que fielmente vem acompanhando esta longa viagem através dos mares de histórias já foi avisado de que os rótulos em cada um dos volumes indicam apenas tendências gerais, e de modo algum representam uma classificação rigorosa. É o que se dá com o subtítulo deste volume, o realismo.
O advento dessa corrente nas literaturas menores ocorre algum tempo depois de seu triunfo nas principais; daí o elemento romântico apresentar-se no conto, por exemplo, de Mór Jókai (com quem, aliás, desponta a literatura húngara, de forte veio narrativo). Por outro lado, o realismo ramifica-se em correntes: nada mais diverso de um conto de Flaubert do que um de Tchekov. Afinal, o temperamento do escritor também conta: há os que são românticos de nascimento, conquanto não o sejam de escola e de época; é o caso de um Villiers de l?Isle-Adam.
Caracteriza-se o presente volume pela inclusão de gigantes do conto, os quais, por sua importância, comparecem com várias peças. Assim ocorre com Machado de Assis, grande mesmo entre os maiores. A escolha de suas quatro histórias, longamente discutida pelos organizadores da coletânea, revela a extrema variedade da sua produção novelística. O russo Anton Tchekov, criador do conto aparentemente leve e apenas esboçado, oposto ao máximo ao modelo maupassantiano, tão elaborado, tem conteúdo humano e trágico não menos forte. O inglês Oscar Wilde, que trouxe para o gênero o seu inimitável talento de causeur, figura também com três contos. Das duas faces da arte insuperável do russo Tolstói, a popular e a social, suas duas histórias dão imagem fiel.
Outra característica do livro é a presença de escritores injustamente esquecidos, ou malconhecidos, no Brasil: o russo Vladimir Korolenko, com o memorável ?O sonho de Makar?; o alemão Paul Heyse, que exemplifica a novela histórica de sabor germânico tão pronunciado; o dinamarquês Hermann Bang e o flamengo Cyriel Buysse, com seus quadros íntimos de tons baixos; o italiano Antonio Fogazzaro, com o seu estranho conto filosófico, espécime de uma variante modernamente muito explorada. Dois patrícios seus, D?Annunzio e Verga, dão-nos ideia do verismo, esse avatar do realismo italiano.
O leque de países representados amplia-se ainda com o Peru, através duma deliciosa ?tradição? de Ricardo Palma, e a Pérsia, com um conto anônimo de inesperada profundeza.
Lembremos, afinal, o conto português, ausente da grande maioria das antologias internacionais. Aqui continua ele a ter o seu justo lugar: com um sugestivo retrato psicológico de Eça de Queirós e uma vigorosa história maupassantiana do Conde de Ficalho.