Amor de Salvação: Romance de Camilo Castelo Branco, publicado em 1864
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É este homem gordo, intonso, de oculos, de tamancos, este lavrador, que aqui vês, possuidor d’um thesouro que os reis do universo disputam ha dezenove seculos uns aos outros, e as nações disputam aos reis, e os individuos disputam ás nações, e cada individuo disputa e destroe em si proprio e com as suas proprias mãos: sabes que thesouro eu possuo, homem? —A paz? —A felicidade.
Cá estão em redor d’elle e de mim os oito filhos, que fazem bulha como trinta e dous. Creio que estou no pateo d’um mestre-escóla á sahida d’aula. Dous d’estes ferozes meninos tiram-me da mão o guarda-sol, abrem-n’o e fecham-n’o repetidas vezes, arremettendo contra os irmãos, que se defendem espancando a murros as varas da umbrella que gemem e entortam. Affonso gosta de vêr aquillo, e eu finjo tambem que não desgosto, nem receio de ser esfarrapado por aquelles innocentes.
Não lhe vi no semblante leve sombra de dissabor, nem osso descarnado. Vi que elle comia á tripa fôrra um chorumento jantar de carnes frias, em que predominavam as galhinaceas. Á sua direita estava uma mocetona espadauda, escarlate, alta de peitos, e refractaria a toda a idéa de amor fino.
Se eu não amasse de preferencia o socego do tumulo, amaria o rumor d’estas arvores, o murmurio do córrego onde vou cada tarde vêr a folhinha secca derivar na onda limpida; amaria o pobre presbyterio, que ha trezentos annos acolhe em seu seio de pedra bruta as gerações pacificas, ditosas, e incultas d’estes selvagens felizes que tão illuminadamente amaram e serviram o seu Creador. Amaria tudo; mas amo muito mais a morte.