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    Noites Tropicais

    Por Nelson Motta
    Existem 13 citações disponíveis para Noites Tropicais

    Sobre

    Mais de 80 mil cópias vendidas. Gênios e pilantras. Roqueiros e sambistas. Pirados, freaks e doidões. Todos eles estão em “Noites Tropicais” e formam o elenco de estrelas dessa trama de sucessos e fracassos, de lágrimas e gargalhadas, entre sexos, drogas e MPB. Um relato sem censura de nossa música – umas das maiores contribuições brasileiras à beleza e à alegria do mundo. Compositor, produtor e diretor artístico, crítico musical e revelador de talentos, Nelson Motta acompanhou e viveu intensamente cada momento da música brasileira de 1958 a 1992, a bossa nova, a jovem guarda, os festivais, o tropicalismo, a MPB, a discoteca e o rock.
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    Citações de Noites Tropicais

    Mas Tom Jobim não fazia parte da “Turma da bossa nova”. Ele era a bossa nova. Ele e João.

    “Cada minuto que passa é um milagre que não se repete.”

    Na manhã de 19 de janeiro de 1982, pelo telefone, Marilia me disse, com voz pausada e contida, que tinha uma notícia ruim sobre Elis. Comecei a chorar. Parada cardíaca, álcool e cocaína. Sozinha trancada no quarto. Três filhos. Trinta e seis anos!!!

    “Malandro é o gato, que não vai à feira e come peixe; malandro é o sapo, que não tem bunda e senta”,

    Stan Getz, Dave Brubeck e Paul Desmond, Miles Davis, Bill Evans, Stan Kenton,

    No Teatro de Arena e na Estudantina, poucos souberam e muito poucos celebraram os quatro Grammies ganhos por Tom Jobim, João Gilberto e Astrud com “Garota de Ipanema”, derrotando os Beatles e Elvis Presley. Nos bares de Ipanema, muitos já os (ou)viam como artistas politicamente alienados, produzindo música americanizada. O Vinicius de “Garota de Ipanema” era falso e inútil: o verdadeiro e engajado era o da “Marcha da quarta-feira de cinzas”, vociferavam jovens barbudos para jovens cabeludas.

    Um boneco de pano preto de um palmo de altura, redondo, com braços e pernas moles e sem pescoço, um monstrengo que parecia uma mistura de Pelé com o marechal Castello Branco, que foi chamado de “Mug” e apresentado por Simonal no programa como o seu amuleto da sorte. Todos os convidados ganharam seus “Mugs”, alguns foram distribuídos no auditório, outros artistas receberam em casa. E logo Chico Buarque, Jair Rodrigues, Jorge Ben, Imperial e vários outros começaram a aparecer nos programas da Record com o “Mug” e a fazer piadas e brincadeiras com ele, a imprensa começou a falar, as crianças gostaram, o público se apaixonou. O boneco estourou nas lojas e naquele Natal em São Paulo todo mundo ganhou o seu.

    Carlos Imperial está com a corda toda e não descansa. A gravação de Ronnie Von de sua “A praça”, uma contrafação vagabunda de “A banda” que ele marqueteava como “marcha-jovem”, promovida febrilmente pela sua máquina pessoal de divulgação, vai ao primeiro lugar das paradas de sucessos. Apesar de denunciada e debochada pela crítica, ou talvez por isso mesmo. Com Eduardo Araújo, Imperial acerta no paladar e diverte o Brasil com o sensacional rock and roll “Vem quente que eu estou fervendo”. “Pode tirar seu time de campo, o meu coração é do tamanho de um trem, iguais a você eu já apanhei mais de cem, pode vir quente que eu estou fervendo.” Parecia Ronaldo e Elis brigando. Era o contrário da delicadeza e melancolia de Chico.

    Mas quando foi anunciado o prêmio de “melhor intérprete” para Elis Regina, entendi que nossa música estava fora e fiz força para não chorar. Muita gente chorou quando foi anunciada a premiação: “Alegria, alegria” foi quarto lugar, “Roda-viva”, terceiro, “Domingo no parque”, segundo e “Ponteio”, a grande vencedora do “Berimbau de Ouro” de 1967, aplaudidíssima. Se Edu tivesse feito a letra para a música de Dory, certamente não estaria ali. Perguntado por uma rádio sobre qual a sua preferida, Edu foi sincero e elegante: “O cantador”. Mas Gil e Caetano saíam do festival mais vitoriosos ainda. A música brasileira nunca mais seria a mesma depois daquela noite. No dia seguinte, em São Paulo, um jornal de crimes noticiava a final do festival em histórica manchete: “Violada no auditório”.

    Atrás do vidro do caixão, com os cabelos curtinhos e o rosto sereno, Elis vestia a camiseta de seu programa da série “Grandes nomes” que tinha sido proibida pela Censura: uma estilização da bandeira brasileira com o “Ordem e progresso” substituído por “Elis Regina Carvalho Costa”. Todas as rádios tocavam suas músicas, “Upa neguinho”, “O bêbado e o equilibrista”, “Arrastão”, “Madalena”, “Maria Maria” e sua última gravação, uma lindíssima versão de “Me deixas louca”, velho bolero de Armando Manzanero, com letra de Paulo Coelho. A cidade onde ela floresceu para o sucesso, onde viveu seus grandes triunfos e a maior parte de sua vida artística parou para chorar a sua estrela. No alto do carro do Corpo de Bombeiros, coberta de flores, Elis percorreu as ruas da cidade pela última vez, ovacionada pelas multidões que encheram as janelas e calçadas de todo o trajeto até o Cemitério do Morumbi. Nunca um artista brasileiro recebeu igual consagração popular.

    Extravasando seus sentimentos, misturando as dores da separação com as esperanças de um novo amor, Elis cantou, mesmo sem a segunda parte da letra, com extraordinária emoção, com a voz tremendo e intensa musicalidade. Na técnica, quando ela terminou, estavam todos mudos. Elis chorava abraçada por César. Juntos, César e Menescal foram levar a fita para Chico, que ouviu, chorou, e terminou a letra ali mesmo, no ato. “Dei pra maldizer o nosso lar, pra sujar teu nome, te humilhar e me vingar a qualquer preço te adorando pelo avesso pra mostrar que ainda sou tua…” Assim, Elis Regina cantou a versão definitiva de uma das mais poderosas e dilacerantes letras de amor e ódio da música brasileira, produziu uma gravação antológica e emocionou o Brasil com sua arte.

    De repente, na vertigem daqueles tempos tropicalistas, tudo ficou muito diferente. Com o seu auditório incendiado, a Record passou a gravar os programas no Teatro Paramount, os musicais começaram a perder audiência, o calor das platéias já não era o mesmo, contratos começaram a não ser renovados, artistas começaram a ser dispensados, “Jovem guarda” saía do ar. Os musicais haviam saído de moda na televisão, começava a era das novelas. E as tardes de domingo tinham novos donos: Silvio Santos e suas “companheiras de trabalho”, com seus calouros e variedades, no auditório da TV Globo.

    Para mim era novidade até que Elis estivesse cheirando pesado nos últimos meses, não fazia o seu estilo. Elis nunca foi drogada nem dependente de nada. Bebia um pouco de vez em quando, fumava um baseado aqui e ali, mas nunca fez nada compulsivamente. Estava entrando na cocaína numa hora em que muita gente já estava começando a sair. Pior: sempre preocupada com a voz, a garganta, seus maiores bens, estava evitando inalar cocaína, preferindo misturá-la com uísque: dessa forma a droga vai para o estômago e demora mais a entrar na corrente sangüínea, tornando muito difícil controlar as quantidades. Foi o que matou Elis.

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