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    Nocturnos (illustrated)

    Por CRESPO, GONCALVES

    Sobre

    Perguntaste-me um dia a vida que eu levava. Mimosa e eburnea flôr, Em antes de te vêr; respondo-te: sonhava... Ouviste, meu amôr? Não era bem sonhar: ás vezes largo espaço Ficava-me a sorrir Para os quadros que eu via em luminoso traço Nas télas do porvir. [4] Presta-me o ouvido attento, escuta-me, querida, Os que me lembram mais: Assim, fita nos meus, ó pomba estremecida, Os olhos teus leaes! Olha este quadro e vê: o campo alegre e franco, Uma aurora de abril: Da larga estrada á beira um campanario branco, O céu profundo anil. De uma casa á janella uma creança loura, Loura como um trigal: Fiando á luz do sol que leve a sobredoura De aureola ideal. Toda risos e festa a doce creatura Olhava para mim, E eu repetia a sós: «alcanço-te, ventura! Serei feliz emfim!» De um outro quadro então recordo-me saudoso, E alongo os olhos meus Para o quadro gentil, o sonho mais gracioso, Que me cahiu dos céus! [5] Fica ao longe da vil poeira das cidades E do seu vão rumôr, O palacio esquecido; ás horas das trindades, Entremos nelle, flôr! Deixemos os jardins, as aleas, o arvoredo, E o oloroso pomar; Subamos essa escada, agora, a furto e a medo, Comecemos a olhar. É vetusto o salão; em flaccida poltrona Repoisa e scisma alguem: Alguem que nos recorda a imagem da Madona, Grave e sizuda mãe. D'esse alguem no regaço um anjo se reclina Confiado e feliz, Sáe-lhe um arôma subtil da bôcca pequenina. Falla, não sei que diz. É casta essa creança e pura entre as mais puras, Que em sonhos vi jámais; Tem o vago esplendôr das biblicas figuras Dos antigos missaes. [6] É moça e é menina: olhar nenhum ainda De leve a maculou. Dorme no seio della o amôr, a crença infinda Que Deus lhe confiou. Quando ella abre, sorrindo, as palpebras franjadas, Ficamos a pensar Nos mysterios do céu, nas cousas ignoradas Que descobre esse olhar. Deixa que eu me ajoelhe extasiado e mudo, Cego de tanta luz, E que tremulo beije o tépido veludo De seus pésinhos nús! E não córa, bem vês, a candida creança! Antes meiga sorri, E entre risos me diz, compondo a escura trança: «Pensava agora em ti! «Porque tardaste tanto, ó poeta? eu te esperava «Na minha solidão! «Vem os segredos vêr que para ti guardava «Dentro do coração!» [7] Concertáe vossa orchestra, harmonicas espheras, No célico esplendor! Maria, essa creança, ó flôr das primaveras, Eras tu, meu amôr!
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