Minha biografia literária que ainda não fora escrita, embora já exista faltando apenas ser escrita por alguém para ser materializada, ou mesmo a minha autobiografia, não deve nunca corresponder à minha verdade, elas apenas descrevem um pouco daquilo que fui e fiz, contudo, há milhões de páginas para serem escritas sobre a minha verdadeira história de vida. Todavia, sei que ninguém conseguiria nem estaria autorizado por mim para expor pormenores da minha vida privada. Mas o que deve realmente fascinar aos meus leitores, que pelo sucesso dos meus Cadernos, que tratam um pouco da minha intimidade, posso inferir, que saber da vida do seu escritor favorito, seja de fato algo muito fascinante. Se bem que neles estão registradas apenas as minhas impressões diárias, então chego agora à esta conclusão nada tardia, de que eles amariam saber como me senti minutos antes da minha morte, pois esta história de que escritores não morrem só nos serve enquanto estamos vivos. Embora eu já tenha dito em algum lugar, talvez tenha escrito em um dos meus romances, que assim como Cristo ressuscitou no terceiro dia, eu ressuscito na terceira palavra. É verdade que inventei esta expressão, se bem que não sei sé é uma boa expressão ou aforisma, contudo, explico que estava a falar da força que recebo muitas vezes cansado pela jornada do dia-dia, de entrevistas a entrevistas, então quando começo a falar a fadiga se vai embora. Iludimo-nos sobremaneira, não raro com a ideia da imortalidade, que nos é vendida por pessoas comuns, ao se referirem aos escritores, sobretudo aos mais mundialmente conhecidos, e no meu caso, talvez tenha me iludido ainda mais que os outros, pelo fato de ter recebido tantas honras pela importância da minha literatura premiada. Há dias comecei a sentir-me mal, minha respiração se tornou ofegante, fui ao médico, aliás, tenho tratado muito bem, mais pelos cuidados de Pilá, desta minha insuficiência respiratória. Tenho reduzido minhas atividades sociais, na verdade tenho procurado viver com mais serenidade, aproveitando mais meus dias finais, sobretudo para usufruir os carinhos de Pilá, que me aparecera um pouco tarde, minha vida teria tido muito mais prazer e sentido, se com ela tivesse vivido todos estes anos que somam agora 87. Em meu livro, A Caverna, escrevi uma frase, que não raro tem provocado pergunta nas minhas entrevistas que dei pelo mundo a fora. ?É verdade que nem a juventude sabe o que pode nem a velhice pode o que sabe.? O que posso de fato hoje na velhice, é me dar o luxo de não querer fazer mais nada, não porque acredite que já tenha feito tudo que desejei ou que me propus fazer, mas posso escolher ficar a contemplar o mar, a olhar o mundo da varanda da minha casa.
Reflexões De Saramago
Sobre
Talvez você seja redirecionado para outro site