INTIMAMENTE é uma obra do escritor Fábio Braga, conhecido por seus poemas e prosas com linguagens diversificadas. A obra divide-se em Textos Do Coração, Da Cabeça e Da Alma, e contém 150 páginas inéditas, que vão, sem dúvida satisfazer o leitor.. Confira:
FOME SERTANEJA
meus filhos não comeram hoje, mas amanhã hão de comer
nem que eu me humilhe e peça esmola ou cate restos de
comida na feira
eu tenho dois braços fortes para plantar e para colher; se a
chuva voltar logo e a seca não castigar, na nossa mesa, todo santo dia, alimento para matar a fome de dez não faltará
quando a fome ataca no coração do nordeste, a saída é montar no lombo do jumento, galopar léguas até à prefeitura
e apelar pela boa vontade da autoridade que na eleição prometeu
acabar com a fome na região
assim que na cidade eu chego, ouço a triste notícia de que o prefeito
viajara; fora à brasília pedir outro tanto de verba, porque o que
enviaram não dera nem para os salários dele e dos vereadores
imaginem se daria para abastecer as casas de milhares em estado de
miséria!
como eu já estava na rua, aproveitei que passava
muita gente, a maioria de crucifixo na mão e no pescoço, e tentei
explorar o coração
e o bolso dos católicos, fiéis ao
padre cícero romão; fiz as pessoas chorarem, contando
a minha triste história, mas, ao me
interromperem, contando a história deles também, eu não aguentei, com eles eu formei um coro, e houve tanto choro que as lágrimas encheram baldes e mais baldes de água, exatamente no dia em que o carro-pipa não veio
é que todo mundo pelo prefeito aguardava
fazia semanas que por aquelas bandas ninguém o via
e no ar uma pergunta só: “onde estaria o doutor prefeito numa hora
dessas, em que tem brasileiro morrendo à míngua no meio do sertão?”
para sobreviver nas terras áridas do nordeste
o sertanejo se transforma em um ser mutante
assim como
lagarta que vira borboleta os tecidos da pele morrem e por baixo nascem outros mais resistentes; os órgãos do corpo se regeneram por eles mesmos, e no lugar dos órgãos fracos surgem outros
mais potentes
para no limite subsistir na esperança de escapar por mais tempo da
maior decepção do homem, que é a morte, morrida por escassez de
alimento
a fome do sertanejo é a maior do planeta, o ronco da sua barriga com
fome é ouvido até em marte, quebra a
lei do silêncio universal
é a chamada fome crônica, pena que nunca é erradicada, sempre vem
de novo, a cada estiagem, a cada voto para
se reverter a situação
o pior é que não tem solução para ela, a estiagem parece que não finda
a irrigação passando por aqui ainda é um sonho, e o jeito é o povo arribar, arribar, arribar ou murchar, murchar, murchar, pois quem fica é quem sofre, se desespera, não vê luz de cesta básica no fim do túnel, se pela no sol ardente, seca, seca, feito folha desidratada, e seu último olhar é a visão de um pedaço de pão
como a chuva não veio, vou vender a
propriedade, dou pelo preço de dez passagens
que nos levem à metrópole
porque se a família aqui permanecer, infelizmente, por causa da fome,
terei de sepultar no solo em brasas do sertão um amado filho meu de
cada vez , tal qual efeito dominó
MOTINS
eu
egoísta, eu me
devoro;
o eu que a ti implora, por que optaste por mim?
por que justo por mim dentre tantos iguais?
ignoras o
eu que sou ou o eu que fui, mesmo tendo sido eu e não
outro o provedor desses desdéns
entre
nós
eu
me amo, apesar de mim, e creio ser honesto o eu te amo que há por ti ou o eu te amei
de tantas horas
tu vens declarando o teu amor por mim
e eu entendo a dor que há em si
e, sem a mim, tu vais vivendo
nos festivos ais e uis a sós, tu vais morrendo no eu que te explora,
vais renascendo nos motins de nós
FOME SERTANEJA
meus filhos não comeram hoje, mas amanhã hão de comer
nem que eu me humilhe e peça esmola ou cate restos de
comida na feira
eu tenho dois braços fortes para plantar e para colher; se a
chuva voltar logo e a seca não castigar, na nossa mesa, todo santo dia, alimento para matar a fome de dez não faltará
quando a fome ataca no coração do nordeste, a saída é montar no lombo do jumento, galopar léguas até à prefeitura
e apelar pela boa vontade da autoridade que na eleição prometeu
acabar com a fome na região
assim que na cidade eu chego, ouço a triste notícia de que o prefeito
viajara; fora à brasília pedir outro tanto de verba, porque o que
enviaram não dera nem para os salários dele e dos vereadores
imaginem se daria para abastecer as casas de milhares em estado de
miséria!
como eu já estava na rua, aproveitei que passava
muita gente, a maioria de crucifixo na mão e no pescoço, e tentei
explorar o coração
e o bolso dos católicos, fiéis ao
padre cícero romão; fiz as pessoas chorarem, contando
a minha triste história, mas, ao me
interromperem, contando a história deles também, eu não aguentei, com eles eu formei um coro, e houve tanto choro que as lágrimas encheram baldes e mais baldes de água, exatamente no dia em que o carro-pipa não veio
é que todo mundo pelo prefeito aguardava
fazia semanas que por aquelas bandas ninguém o via
e no ar uma pergunta só: “onde estaria o doutor prefeito numa hora
dessas, em que tem brasileiro morrendo à míngua no meio do sertão?”
para sobreviver nas terras áridas do nordeste
o sertanejo se transforma em um ser mutante
assim como
lagarta que vira borboleta os tecidos da pele morrem e por baixo nascem outros mais resistentes; os órgãos do corpo se regeneram por eles mesmos, e no lugar dos órgãos fracos surgem outros
mais potentes
para no limite subsistir na esperança de escapar por mais tempo da
maior decepção do homem, que é a morte, morrida por escassez de
alimento
a fome do sertanejo é a maior do planeta, o ronco da sua barriga com
fome é ouvido até em marte, quebra a
lei do silêncio universal
é a chamada fome crônica, pena que nunca é erradicada, sempre vem
de novo, a cada estiagem, a cada voto para
se reverter a situação
o pior é que não tem solução para ela, a estiagem parece que não finda
a irrigação passando por aqui ainda é um sonho, e o jeito é o povo arribar, arribar, arribar ou murchar, murchar, murchar, pois quem fica é quem sofre, se desespera, não vê luz de cesta básica no fim do túnel, se pela no sol ardente, seca, seca, feito folha desidratada, e seu último olhar é a visão de um pedaço de pão
como a chuva não veio, vou vender a
propriedade, dou pelo preço de dez passagens
que nos levem à metrópole
porque se a família aqui permanecer, infelizmente, por causa da fome,
terei de sepultar no solo em brasas do sertão um amado filho meu de
cada vez , tal qual efeito dominó
MOTINS
eu
egoísta, eu me
devoro;
o eu que a ti implora, por que optaste por mim?
por que justo por mim dentre tantos iguais?
ignoras o
eu que sou ou o eu que fui, mesmo tendo sido eu e não
outro o provedor desses desdéns
entre
nós
eu
me amo, apesar de mim, e creio ser honesto o eu te amo que há por ti ou o eu te amei
de tantas horas
tu vens declarando o teu amor por mim
e eu entendo a dor que há em si
e, sem a mim, tu vais vivendo
nos festivos ais e uis a sós, tu vais morrendo no eu que te explora,
vais renascendo nos motins de nós