A Valsa de Pavlov
Esse livro de contos é outra obra magnífica de JH Henriques. Todo cuidado há de ser pouco ao se ler um desses contos. São delicados e ao mesmo tempo trazem uma educação esmerada pela palavra. Aqui o autor novamente não faz concessões e apresenta uma obra densa, totalmente estruturada na busca de uma Estética limpa e aprimorada. Fragmento do texto: A sensibilidade das coisas me analisava. Análise: Com a intenção de ser mais esperta que a objetividade dos objetos – que segundo consta em alfarrábio de composição simples, quando a coisa toma nome se vinga em ser objeto -, trafeguei durante os últimos dez anos por São Paulo com a intenção precípua de crer que ignorava a complacência de seu estado estelar. Estrelado, o que diriam meus avós numa casa dependurada no Bixiga, um lugar estrelado e que não pode ser comparado a mais nada que suba em rumo de qualquer sol, posto que nem sempre seja comum se ver um lugar subir em rumo do sol, a palavra dos meus avós tinha um renome muito desorganizado em seus anteriores lá deles mesmos – os atavismos de seus atavismos e de suas cracas de deslumbramento. Deslumbra um lugar assim caótico e, a um só termo, organizado, um entreposto entre a alma e a alegria de se saber a vida. A vida no Bixiga, a casa dependurada numa rua cambaia e a voz do meu avô dizendo que polenta não é o que parece ser, mas o que em facto verídico se come. Come-se. Nunca entendi as palavras que meu avô falava. O que me parecia querer afirmar é que polenta sem molho não é a riqueza que contenta. Não me contentava em calar-me com sons de memória: Somente muitos anos mais tarde foi que descobri que aquela conversa não tinha nada a ver com molho ou com polenta, mas somente com a decisão de um espírito que ainda navegava nele, uns modos que muito toscanos poderiam gritar. Em mim gritava, por outra via dos fatos, a decisão de um mundo muito mais lógico do que uma simples casa dependurada em rua cambaia do Bixiga. Eu já me tornava com sangue mais purificado pela mistura, não diria de raças, mas de soslaios tropicais e uma ação de ares que não podem ser relegados ao simples acaso. Eu tinha quinze anos quando comecei a me aventurar por mim mesma e pela segregação de me saber dominada. Domínio, a sensibilidade das coisas me analisava, feito se fosse um defeito de todos os sentimentos que meu avô acumulara em uma rua do Bixiga e sempre enxergara com o pressuposto acto de uma densidade comemorada em seus ossos de amante sôfrego. Sentia ele tanto a distensão que havia no Bixiga, que seus olhos sofriam de uma travessia espetacular quando mencionava o nome do bairro. Há coisas que ficam leves demais quando nem sabem voar.
Esse livro de contos é outra obra magnífica de JH Henriques. Todo cuidado há de ser pouco ao se ler um desses contos. São delicados e ao mesmo tempo trazem uma educação esmerada pela palavra. Aqui o autor novamente não faz concessões e apresenta uma obra densa, totalmente estruturada na busca de uma Estética limpa e aprimorada. Fragmento do texto: A sensibilidade das coisas me analisava. Análise: Com a intenção de ser mais esperta que a objetividade dos objetos – que segundo consta em alfarrábio de composição simples, quando a coisa toma nome se vinga em ser objeto -, trafeguei durante os últimos dez anos por São Paulo com a intenção precípua de crer que ignorava a complacência de seu estado estelar. Estrelado, o que diriam meus avós numa casa dependurada no Bixiga, um lugar estrelado e que não pode ser comparado a mais nada que suba em rumo de qualquer sol, posto que nem sempre seja comum se ver um lugar subir em rumo do sol, a palavra dos meus avós tinha um renome muito desorganizado em seus anteriores lá deles mesmos – os atavismos de seus atavismos e de suas cracas de deslumbramento. Deslumbra um lugar assim caótico e, a um só termo, organizado, um entreposto entre a alma e a alegria de se saber a vida. A vida no Bixiga, a casa dependurada numa rua cambaia e a voz do meu avô dizendo que polenta não é o que parece ser, mas o que em facto verídico se come. Come-se. Nunca entendi as palavras que meu avô falava. O que me parecia querer afirmar é que polenta sem molho não é a riqueza que contenta. Não me contentava em calar-me com sons de memória: Somente muitos anos mais tarde foi que descobri que aquela conversa não tinha nada a ver com molho ou com polenta, mas somente com a decisão de um espírito que ainda navegava nele, uns modos que muito toscanos poderiam gritar. Em mim gritava, por outra via dos fatos, a decisão de um mundo muito mais lógico do que uma simples casa dependurada em rua cambaia do Bixiga. Eu já me tornava com sangue mais purificado pela mistura, não diria de raças, mas de soslaios tropicais e uma ação de ares que não podem ser relegados ao simples acaso. Eu tinha quinze anos quando comecei a me aventurar por mim mesma e pela segregação de me saber dominada. Domínio, a sensibilidade das coisas me analisava, feito se fosse um defeito de todos os sentimentos que meu avô acumulara em uma rua do Bixiga e sempre enxergara com o pressuposto acto de uma densidade comemorada em seus ossos de amante sôfrego. Sentia ele tanto a distensão que havia no Bixiga, que seus olhos sofriam de uma travessia espetacular quando mencionava o nome do bairro. Há coisas que ficam leves demais quando nem sabem voar.