Calunga
Calunga é outro dos romances de fôlego desse autor, um dos mais profícuos e prolíficos do planeta. Trata de uma personagem extremamente forte, distinta e inconfundível. O cenário trata do estado do Paraná. Pintarroxa, homem estiloso e classudo, totalmente dono de uma individualidade distinta e comovente, navega pelas páginas desse livro em busca de seus amores mais nobres e impudicos. Um fragmento do texto: A sala estava malhada de gente demais. Estivada. É que se punha a agonizar o corpo de Ademar da Costa Vasconcelos, homem com seus setenta e nove anos, quase jovem ainda, nem entrado na casa dos oitenta. A casa oscilava para todos, a casa ofertava em todos. Para se saber e dizer a verdade – já que ela quando bem dita não costuma doer, a verdade bendita, havia para mais de três semanas que começara a agonia de Ademar da Costa Vasconcelos, conhecido entre todos como o Pintarroxa, termo que ficou por conta de uma mancha de cor azulega que ele tinha do lado esquerdo do pescoço – nome e mancha, facto que lhe rendia ser conhecido de ponta a ponta, de lado a lado, como o grande Pintarroxa, criatura de seus modos muito particulares, daqueles que nem mais são construídos sobre a face desta terra. Os que se deixam como memória de lugares continentais, embora pequenos em compleição de suas entradas e saídas. Um homem com marcas continentais. Se assim era, tornou-se uma espécie de mito que podia ser reverenciado no silêncio dos dias.
Se agonizava daquela forma, a dificuldade grande que algumas criaturas encontram para morrer com sensatez – porque mais branda e mais tenaz a morte, a um só tempo, facilita para a criatura que sofre as cargas e os transportes -, já deixava uma certa preocupação em todos que dentro da casa esperavam um desfecho para aquele caso sem igualdades. Por todo tempo da enfermidade, que todos diziam ser coisa grave, que mesmo o doutor Eulógio Aleixo, especialista e dono de uma pasta curiosa, uma pasta preta que carregava por todo canto onde andava, dissera o doutor que seria melhor que tivesse as boas passagens e que o Criador o levasse, que a enfermidade era irreversível e irrevogável, uma espécie de carga pesada que ele teria que aturar conforme lhe fossem ditados todos os sofrimentos que a cama oferece. Mesmo que vivesse por dez anos, dizia o doutor, sempre por ele passaria um pássaro com a asa quebrada e quilha ferida, o que sempre compõe um desgosto de fundamento amargo. Afirmara que o pássaro ia vigiar em vôo quebrado, sempre achando cumeeiras onde pousar. A calunga não aceita doce, mesmo quando lanhada demais para recebê-lo.
Calunga é outro dos romances de fôlego desse autor, um dos mais profícuos e prolíficos do planeta. Trata de uma personagem extremamente forte, distinta e inconfundível. O cenário trata do estado do Paraná. Pintarroxa, homem estiloso e classudo, totalmente dono de uma individualidade distinta e comovente, navega pelas páginas desse livro em busca de seus amores mais nobres e impudicos. Um fragmento do texto: A sala estava malhada de gente demais. Estivada. É que se punha a agonizar o corpo de Ademar da Costa Vasconcelos, homem com seus setenta e nove anos, quase jovem ainda, nem entrado na casa dos oitenta. A casa oscilava para todos, a casa ofertava em todos. Para se saber e dizer a verdade – já que ela quando bem dita não costuma doer, a verdade bendita, havia para mais de três semanas que começara a agonia de Ademar da Costa Vasconcelos, conhecido entre todos como o Pintarroxa, termo que ficou por conta de uma mancha de cor azulega que ele tinha do lado esquerdo do pescoço – nome e mancha, facto que lhe rendia ser conhecido de ponta a ponta, de lado a lado, como o grande Pintarroxa, criatura de seus modos muito particulares, daqueles que nem mais são construídos sobre a face desta terra. Os que se deixam como memória de lugares continentais, embora pequenos em compleição de suas entradas e saídas. Um homem com marcas continentais. Se assim era, tornou-se uma espécie de mito que podia ser reverenciado no silêncio dos dias.
Se agonizava daquela forma, a dificuldade grande que algumas criaturas encontram para morrer com sensatez – porque mais branda e mais tenaz a morte, a um só tempo, facilita para a criatura que sofre as cargas e os transportes -, já deixava uma certa preocupação em todos que dentro da casa esperavam um desfecho para aquele caso sem igualdades. Por todo tempo da enfermidade, que todos diziam ser coisa grave, que mesmo o doutor Eulógio Aleixo, especialista e dono de uma pasta curiosa, uma pasta preta que carregava por todo canto onde andava, dissera o doutor que seria melhor que tivesse as boas passagens e que o Criador o levasse, que a enfermidade era irreversível e irrevogável, uma espécie de carga pesada que ele teria que aturar conforme lhe fossem ditados todos os sofrimentos que a cama oferece. Mesmo que vivesse por dez anos, dizia o doutor, sempre por ele passaria um pássaro com a asa quebrada e quilha ferida, o que sempre compõe um desgosto de fundamento amargo. Afirmara que o pássaro ia vigiar em vôo quebrado, sempre achando cumeeiras onde pousar. A calunga não aceita doce, mesmo quando lanhada demais para recebê-lo.