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    Nós, os afogados

    Por Carsten Jensen

    Sobre

    24/08/2015 - Entrevista do autor de Nós, os afogados à Amazon.com P: Nós, os afogados se transformou numa sensação internacional. Você está surpreso com o apelo universal dessa história? R: Já fazia alguns anos que eu estava trabalhando em Nós, os afogados quando minha prima me fez uma pergunta muito inquietante. Você realmente acha, ela me perguntou, que esse seu romance vai interessar alguém fora desta nossa ilhazinha? Só consegui responder: espero que sim, mas eu não tinha como saber. Fiz todo o possível para ver os aspectos universais da história de uma cidadezinha marítima numa ilha esquecida num canto remoto do Báltico. Mas eu precisava admitir que era uma história muito local e talvez tenha sido isso o que me interessou: o encontro entre o local e o global, porque é isso que representa o marinheiro: alguém que vai para todos os cantos. O marinheiro é uma figura universal. Mas escrever um romance é sempre assumir um risco. Nunca se sabe se tem alguma outra pessoa no mundo até se tentar chegar até ela. O marinheiro muitas vezes navega rumo ao desconhecido. O escritor também. P: O que há na navegação, no encanto do mar, que atrai tantos homens, e você, a escrever sobre ele? O que você acha que é o equivalente moderno de entrar no mar? R: Um fazendeiro numa comunidade rural não é atraído pela terra. Ele não tem escolha. O mesmo acontece com os marinheiros de Marstal. Essa era a única vida possível para eles. Não importa se eles decidiram servir no Gaivota ou no Albatroz, essa era a única escolha que tinham. Não há nada de romântico nisso. Depois que o livro foi publicado, fui convidado para tomar café com o almirante da Marinha dinamarquesa Niels Vang. Ele me disse: as únicas pessoas hoje que trabalham sob as mesmas condições rigorosas que os marinheiros do seu livro são soldados profissionais. Eles são os únicos confrontados com a possibilidade de morte da mesma forma que seus marinheiros. P: Você chamou o marinheiro de antepassado da globalização. Você, como jornalista, se identifica com o marinheiro? R: Quando o marinheiro voltava para sua cidade natal, ele sabia uma coisa que os fazendeiros dali nunca souberam: que havia mais do que uma forma de fazer as coisas. O fazendeiro pensava que era o centro do mundo, o marinheiro sabia que não era. Acho essa uma noção muito importante. P: Como foi sua pesquisa para o romance, que abrange cem anos e muitos oceanos? R: Eu fiz muitas pesquisas para o livro, mas também inventei muita coisa. Recebia a ajuda do Museu do Marinheiro de Marstal, um museu totalmente local e muito excêntrico. Eles têm um arquivo incrível e, quando entrei de cabeça nele, descobri que, nos últimos 20 ou 30 anos, metade dos habitantes de Marstal não tinha feito nada além de entrevistar a outra metade. A partir daí, junto com a biblioteca local, organizei muitas reuniões na cidade, nas quais li trechos da obra em andamento e expliquei as minhas ideias. A população de Marstal, muito curiosa, compareceu em grande número. Deixei claro para eles que aquilo era parte de um acordo: eu lhes daria um livro sobre sua cidade, mas precisava da ajuda deles também. Assim, me chamaram para ir a suas casas, sentar no sofá, me serviram café e depois me mostraram cartas antigas, diários e memórias não publicadas, escritas apenas para a família. Tudo isso virou uma fonte de inspiração enorme para mim. Também fez com que toda a cidade realmente acabasse sentindo que esse livro era tanto deles quanto meu. E, depois da publicação, muitos dos habitantes da cidade me falaram que tinham ouvido todas as histórias do livro na infância e eu disse: mas não pode ser, porque eu as inventei. Fui inspirado, sim, mas não a ponto de escrever tudo que ouvia. Mas as pessoas não conseguiam mais distinguir ficção de realidade. P: Nós, os afogados é escrito na primeira pessoa do plural, como uma consciência coletiva do povo de Marstal. Por que você escolheu escrever o livro dessa forma? R: O “nós” que narra a história representa a memória coletiva da cidade, mas nem todos estão incluídos. É a memória dos homens, visto que a vida dos homens e das mulheres é completamente diferente numa comunidade marítima. As mulheres têm sua própria história, que vai se desdobrando devagar no romance em paralelo com a dos homens. O “nós” é uma espécie de coro grego, sempre presente no palco, sempre comentando e introduzindo, mas, como um narrador, o “nós” também está envolvido na história, sendo parcial e tomando posições, o que faz com que ele nem sempre seja confiável. O “nós” parece onisciente, mas como ele pode saber os detalhes mais íntimos que se passam entre as pessoas? Bom, talvez ele não saiba. O que as pessoas não sabem numa comunidade pequena, elas inventam, e isso também é chamado de fofoca. Fofoca é uma parte essencial da vida das pessoas e é isso que eu quero que meu romance reflita. Ele é cheio de história real, ficção e fofoca também, porque é assim que o mundo funciona.
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