Ezra suava frio. Não que fosse um dos mais ortodoxos de sua religião, contudo era obrigado a parecer, se não quisesse ser maldito pelas ruas. Já havia olhos demais julgando suas ultimas decisões. Por conta disso, ninguém ficaria sabendo sobre aquela nova. Bastava seu primo e o velho ambulante, que tinha indicado as ferramentas nas mãos e trocado por alguns asses um ídolo Baal pendurado no pescoço. Os amuletos protetores comercializados pelo beduíno na encruzilhada, antes de os romanos passarem no meio da tarde, não levantariam tantas suspeitas quanto sua simples presença ali, na boca do campo sagrado àquela hora da noite.
Quando passou o umbral da porta, estacou. Seus olhos quase saltaram das órbitas. Ezra correu até o berço e um novo susto tomou sua alma. A bebê estava morta! Apanhou-a nos braços e saiu da casa aos prantos. Caiu de joelhos no chão de terra seca na frente da porta, derramando lágrimas sobre a pequena Miriam. Olhou para o bode negro que ainda balia e fazia bater o sino. A criatura mascava grama e mantinha os olhos negros fixos em Ezra. O lenhador, ainda afundando num poço escuro, ficou hipnotizado por aquelas gemas sem luz. O bode regurgitou uma baba verde e deu um passo, fazendo o sino no pescoço bater. Apontou com a pata para a bebê e disse:
— Ela ainda está aqui.
A canção de Maria
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