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    A marca humana

    Por Philip Roth
    Existem 14 citações disponíveis para A marca humana

    Sobre

    Coleman Silk, professor de letras clássicas numa universidade da Nova Inglaterra, aos setenta anos se vê obrigado a pedir exoneração e a se afastar do meio acadêmico. O motivo é uma acusação de racismo. Coleman empregou uma palavra de duplo sentido ao se referir a alunos que não compareciam às aulas. Ignorava serem negros, pois nunca os tinha visto, e portanto não atinou que suas palavras poderiam ser tomadas como ofensa.

    Virá em seguida uma acusação de abuso sexual, contra uma faxineira de 35 anos que trabalha no campus. A ideologia do politicamente correto tomou o poder na universidade e disparou sua artilharia contra o velho professor judeu, que agora, como no passado, se recusa a sujeitar-se aos padrões dominantes.

    Execrado publicamente, Coleman trava contra a faculdade uma batalha humilhante. O ambiente carregado de ódio recrudesce quando o ex-marido da faxineira, um veterano da Guerra do Vietnã mentalmente perturbado, cruza seu caminho. O ciúme se mistura ao rancor, por ser Coleman intelectual, velho e judeu. Perdido na névoa de um delírio homicida, o veterano encarna os piores pesadelos americanos, com os quais Coleman terá de ajustar contas.

    Mas o mesmo professor que antes revolucionara a faculdade e se fizera admirar pela audácia guardou um segredo por cinco décadas. Nem a esposa nem os filhos conheceram sua verdadeira origem racial, pois aos vinte anos, ao entrar na marinha, Coleman Silk descobriu que ela não era evidente e que podia manobrá-la. A marca humana, entretanto, não se apaga. Não há destino, individual ou coletivo, capaz de pôr-se a salvo dos seus vestígios.

    Ao lado de Pastoral americana e Casei com um comunista, este romance compõe a grande trilogia de Philip Roth (1933) sobre a vida na América do pós-guerra - um painel impressionante em que indivíduos de grande vigor moral e intelectual são assolados por forças históricas fora de controle.

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    Citações de A marca humana

    Há algo de fascinante no efeito do sofrimento moral sobre uma pessoa que não parece fraca nem frágil. É ainda mais insidioso do que o efeito de uma doença física, porque não há morfina, nem raquidiana, nem cirurgia radical que possa trazer alívio. Quem sofre seu impacto tem a sensação de que só ficará livre se morrer. O realismo cru desse sofrimento é uma coisa incomparável.

    Como dizer “não, isso não faz parte da vida” sabendo que não é verdade? A sexualidade, essa contaminação redentora que desidealiza a espécie humana e nos lembra constantemente de que não passamos de matéria.

    “Isso é que dá ser criado de mamadeira”, disse Faunia. “Isso é que dá passar a vida andando com gente como a gente. A marca humana”,

    como é fácil a vida virar para um lado em vez de virar para o outro, como é acidental o destino de uma pessoa… em contrapartida, como o destino pode parecer acidental quando as coisas não podem deixar de ser o que são.

    Agora você está brigando num mundo em que as pessoas não se dão ao trabalho de disfarçar a crueldade por trás de uma retórica humanitária.

    O ano de 1953 não ia durar pra sempre. As pessoas envelhecem. Os países envelhecem. Os problemas envelhecem. Às vezes envelhecem tanto que morrem de velhos.

    “Isso é bem do Coleman. Ele resolvia fazer uma coisa e fazia mesmo. Era o que ele tinha de extraordinário desde o tempo de menino — quando tinha um plano, ele levava às últimas conseqüências. Cada decisão que tomava, ele cumpria à risca. Por conta da grande mentira que era a vida dele, era preciso mentir o tempo todo, pra família, pros colegas de trabalho; e ele agüentou até o fim. Até ser enterrado como judeu. Ah, Coleman”, disse ela com tristeza, “tão determinado. Determinação era com ele.” Nesse momento, ela estava mais perto de rir que de chorar.

    No Colégio Secundário de East Orange já há muito tempo ninguém lê mais os clássicos. Nunca ninguém nem ouviu falar de Moby Dick, quanto mais leu. No ano em que me aposentei, vinha aluno dizer pra mim que no Mês da História Negra eles só iam ler uma biografia de um negro que fosse escrita por um negro. Que diferença faz, eu perguntava a eles, se o autor do livro é preto ou branco? Eu já implico até com essa história de Mês da História Negra. Pra mim, Mês da História Negra em fevereiro e concentrar o estudo no assunto é como leite que está quase azedando. Dá pra beber, mas o gosto não está bom. Se você quer estudar sobre o Matthew Henson, você devia fazer isso quando estivesse estudando outros exploradores, e não só o Matthew Henson.”

    Parece que as pessoas não sabem mais o que é ensinar. Parece que o que eles fazem é uma palhaçada. Toda época tem suas autoridades reacionárias, e aqui na Athena pelo visto elas estão com toda a força. Será que agora a gente tem que ficar em pânico antes de pronunciar cada palavra? O que aconteceu com a Primeira Emenda da Constituição Federal? Quando eu era menina, quando o senhor era menino, recomendava-se que todo aluno que concluía o secundário em Nova Jersey adquirisse duas coisas: um diploma e um exemplar da Constituição. O senhor se lembra disso? A gente tinha que estudar um ano de história dos Estados Unidos e um semestre de economia — coisa que hoje em dia, o senhor sabe, não é mais necessário: aliás ninguém ‘tem que’ estudar mais nada. Naquele tempo, em muitas escolas havia uma tradição: o diretor entregava o diploma ao formando e uma outra pessoa entregava um exemplar da Constituição. Hoje em dia já quase ninguém compreende bem a Constituição. Mas em todo o país, pelo visto, o nível de estupidez está aumentando. Está assim de faculdade com programa de recuperação pra ensinar aos alunos o que eles deviam ter aprendido no colegial.

    O homem que decide forjar um destino histórico só para si próprio, que decide romper os grilhões da história, e que consegue fazê-lo, que consegue de modo brilhante alterar o destino que lhe fora reservado, para por fim cair na armadilha da história que ele não havia levado em conta, da história que ainda não é história, da história que está transcorrendo agora no relógio em cada tique-taque, da história que está proliferando enquanto escrevo, ganhando um minuto de cada vez, e que será apreendida melhor pelo futuro do que jamais o será por nós. O nós que é inescapável: o momento presente, o destino comum, a mentalidade atual, a mentalidade do país em que se vive, a pressão da história que é o tempo em que se vive. Golpeado de surpresa pela natureza terrivelmente provisória de tudo.

    No tempo do meu pai, e ainda no meu e no seu, quem fracassava era o indivíduo. Agora é a disciplina. Ler os clássicos é muito difícil, por isso a culpa é dos clássicos. Hoje o aluno afirma sua incapacidade como um privilégio. Eu não consigo aprender essa matéria, então essa matéria deve ter algum problema. E deve ter algum problema também o professor que resolve ensiná-la. Não há mais critérios, senhor Zuckerman, só opiniões. Eu vivo pensando nessa questão, de como as coisas eram antigamente. Como era o ensino antigamente.

    Coleman, Coleman, Coleman, você que agora não é mais ninguém domina minha existência. É claro que você não podia escrever o livro. Você já tinha escrito o livro — o livro era a sua vida. Escrever sobre si próprio é expor-se e se ocultar ao mesmo tempo, mas no seu caso você teria de ocultar-se a cada instante, e portanto seria impossível. Seu livro era a sua vida — e a sua arte? Depois que você tomou sua decisão, sua arte era ser branco. Era ser, como diz o seu irmão, “mais branco que os brancos”. Foi esse o seu singular ato de invenção: a cada dia você despertava para ser aquilo em que tratara de se transformar.

    Você não está mais enfrentando um bando de elitistas que posam de democratas e escondem a ambição por trás de ideais grandiloqüentes. Agora você está brigando num mundo em que as pessoas não se dão ao trabalho de disfarçar a crueldade por trás de uma retórica humanitária.

    “Quer dizer que você vai abandonar a coisa toda, dizendo que desiste, abandonar todo esse trabalho, todo esse ódio. Pois bem, como é que você vai encher o vazio deixado pela indignação?”

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