À sombra das raparigas em flor
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Somos todos obrigados, para tornar a realidade suportável, a alimentar dentro em nós algumas pequenas loucuras.
Sabemos teoricamente que a Terra gira, mas na verdade não o notamos; o chão que pisamos parece que não se move, e a gente vive tranquilo. O mesmo acontece com o tempo na vida. E para fazer-nos ver como foge depressa, os romancistas não têm outro remédio senão acelerar freneticamente a marcha dos ponteiros e fazer com que o leitor franqueie dez, vinte ou trinta anos em dois minutos.
É sempre devido a um estado de espírito não destinado a durar que se tomam resoluções definitivas.
Bem sei que há jovens, filhos e netos de homens distintos, com preceptores que lhes ensinam nobreza d’alma e elegância moral desde os bancos escolares. Talvez nada se tenha a dizer da sua vida, talvez possam publicar e assinar tudo quanto disseram, mas são pobres almas, descendentes sem força de gente doutrinária, e de uma sabedoria negativa e estéril. A sabedoria não se transmite, é preciso que a gente mesmo a descubra depois de uma caminhada que ninguém pode fazer em nosso lugar, e que ninguém nos pode evitar, porque a sabedoria é uma maneira de ver as coisas.
Elástico é o tempo de que dispomos cada dia; as paixões que sentimos o dilatam, as que inspiramos o encurtam e o hábito o enche.
Com os prazeres, dá-se o mesmo que com as fotografias. O que apanhamos na presença da criatura amada não passa de um negativo; revelamo-lo mais tarde, uma vez em casa, quando encontramos à nossa disposição essa câmara escura interior cuja entrada é proibida enquanto há gente à vista.
O maior encanto de um iate, do mobiliário de um iate, das suas toaletes, é a sua simplicidade de coisas do mar… e eu amo tanto o mar! Confesso que prefiro as modas de hoje às modas do tempo de Veronese, e mesmo de Carpaccio. O que há de lindo em nossos iates — e nos iates médios principalmente; não gosto dos enormes, metidos a navio; é como no caso dos chapéus, tem-se de guardar certa medida — é a coisa lisa, simples, clara, discreta, que, num tempo de bruma, azulado, toma uma inconsistência cremosa. É preciso que a peça em que se está tenha o ar de um pequeno café. O mesmo se dá com as toaletes das mulheres num iate, o que é gracioso são as toaletes leves, brancas e lisas, de linho, de cambraia, de cotim, que ao sol, e sobre o azul do mar, ostentam um branco tão fulgurante como uma vela branca. De resto, há poucas mulheres que se vistam bem; algumas, no entanto, são maravilhosas.
existe certa semelhança, embora vá evoluindo, entre as mulheres que sucessivamente amamos, semelhança que provém da fixidez de nosso temperamento, pois este é que as escolhe, eliminando todas as que não nos seriam ao mesmo tempo opostas e complementares, isto é, próprias para satisfazer os nossos sentidos e fazer sofrer o nosso coração. São, essas mulheres, um produto do nosso temperamento, uma imagem, uma projeção invertida, um “negativo” da nossa sensibilidade. De modo que um romancista poderia, no curso da vida de seu herói, pintar quase exatamente iguais os seus sucessivos amores, e dar com isso a impressão, não de imitar-se a si mesmo, mas de criar, pois há menos força numa inovação artificial que numa repetição destinada a sugerir uma verdade nova.
“Com a sua licença…”, como se pede autorização para terminar, enquanto se conversa, um trabalho urgente. Pois nunca podia estar “sem fazer nada”, embora jamais fizesse coisa alguma. E como a inatividade completa acaba produzindo os mesmos efeitos que um trabalho exagerado, tanto no domínio moral como na vida do corpo e dos músculos, a constante nulidade intelectual que habitava atrás da fronte sonhadora de Octave acabara por lhe produzir, apesar do seu ar calmo, inócuos pruridos de pensamento que o impediam de dormir à noite, como poderia acontecer a um metafísico esgotado.
aproximações entre a arte de madame de Sévigné, do pintor Elstir e de Dostoievski.
Pois com efeito fôramos obrigados a partir de Balbec; fazia já frio e umidade muito penetrante para que se pudesse resistir naquele hotel desprovido de lareiras e calefação. Aquelas últimas semanas, esqueci-as quase imediatamente. O que via invariavelmente quando pensava em Balbec eram aqueles instantes da manhã que minha avó me fazia passar deitado no escuro, por ordem do médico, pois naquela tarde deveria sair com Albertine e suas amigas. O gerente dava ordens para que não fizessem ruído no meu andar, e ele mesmo velava por que fossem obedecidas. Devido à luz muito forte, eu conservava fechados o mais tempo possível os grandes cortinados violeta que tanta hostilidade me demonstraram na primeira noite. Mas apesar dos alfinetes com que Françoise os sujeitava de noite e que só ela sabia retirar, apesar das cobertas, da toalha de mesa de cretone vermelho, dos diversos panos apanhados aqui e ali para ajustar às cortinas, não chegava a uni-las de todo, de sorte que a escuridão não era completa; parecia que no tapete haviam estado a desfolhar anêmonas, e eu não podia deixar de ir por um instante banhar meus pés desnudos naquelas ilusórias pétalas escarlates. Na parede fronteira à janela, parcialmente iluminada, havia um cilindro de ouro, sem base alguma, colocado verticalmente, e que ia mudando vagarosamente de lugar, como a coluna de fogo que precedia os hebreus no deserto.[233] Tornava a deitar-me; obrigado a experimentar sem um movimento, apenas pela imaginação, e todos ao mesmo tempo, os prazeres dos jogos, do banho, da marcha, que a manhã aconselhava, a alegria fazia bater-me ruidosamente o coração, como uma máquina em pleno funcionamento, mas imóvel, e que, para descarregar sua velocidade, apenas pode girar sobre si mesma no mesmo lugar. Sabia que minhas amigas estavam no dique, mas não as via, enquanto passavam pelas serranias desiguais do mar, ao fundo do qual, empoleirada entre os seus azulados cimos, como um povoado italiano, se distinguia às vezes numa brecha de nuvens a ald
Também no início da crítica implícita da pintura na Recherche estão os ensaios que antecedem a redação do romance. A diferença estabelecida por Marcel entre a beleza superficial, banal, e a beleza ideal, que a pintura de Elstir consegue representar, tem origem, como se sabe, nas reflexões que já em 1895 Proust desenvolvia em seu ensaio “Chardin e Rembrandt”.
A representação da música no texto da Recherche tem como antecedente o ensaio “Um domingo no conservatório”, publicado por Proust no ano de 1895. Não é por acaso que as descrições estéticas da música que aí se encontram se baseiem na obra O mundo como vontade e representação, do filósofo Schopenhauer.
na confusão da existência, é raro que uma felicidade venha pousar justamente sobre o desejo que a reclamara.