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    Amar é Crime

    Por Marcelino Freire
    Existem 15 citações disponíveis para Amar é Crime

    Sobre

    AMOR E SANGUE


    ?AMOR É FOGO QUE ARDE SEM SE VER?, diz o primeiro verso do soneto de Camões. Nos contos deste livro, os amores são ardentes e exibem sua chama. São des?medidos, ur­gentes, desenfreados, e por isso mesmo é que se oferecem ­­? ou melhor, se impõem ? à vista de todos. O que interessa é res­gatar, pelo grito, a paixão reprimida, per­dida ou recolhida. Tudo se revela por meio de explosões e de palavras cortantes, san­grentas, no melhor estilo de Marcelino Freire. Se amar é crime, conforme diz a can­ção popular, como evitar que uma escrita tão amorosa seja também fortemente agres­siva, desmentindo todas as leis?
    Negros, prostitutas, carroceiros, crian­ças, miseráveis, inocências pisadas, deslo­cados de todos os tipos, à margem da ci­dade que parece ignorar sua existência ? toda essa galeria de personagens, que já conhecíamos de outros livros do autor (João Gilberto Noll definiu-os como ?criaturas da deriva social?), reaparece aqui com re­novada fúria. A pesquisa da linguagem oral e o manejo do discurso direto, marcas registradas da escrita de Marcelino Freire, se mantêm firmes. A despeito do humor, frequentemente grotesco, preserva-se tam­bém o registro poético, que não se resume ao uso ?cordelista? das rimas.
    Embora solte farpas contra as rimas ? foi por causa delas, segundo o narrador do conto Irmãos, ?que o nosso país está o que está. Um horror!? ?, o autor de Amar É Crime não sabe viver sem elas. A rima é ostensiva, mas também aparece com sutileza, como na sequência das toantes ?rosa?, ?xoxota? e ?moda?, do conto Modelo de Vida, ou na série ?acorda?, ?porca?, ?gor­da?, ?gosma?, do conto Mariângela. De toda maneira, trata-se de um recurso que visa não propriamente à poesia, mas à construção da oralidade, uma das fontes inesgotáveis da literatura brasileira, como temos visto em belas amostras desde o Modernismo.
    Oralidade: eis a palavra-chave. A lite­ratura de Marcelino Freire é erguida sobre falas, frases roubadas, pedaços vivos do cotidiano e da matéria social brasileira, que ele recolhe com inteligência crítica, a exemplo do que ocorre em autores co­mo João Antônio e Francisco Alvim. E como falam os personagens deste livro! Desabafam o tempo inteiro e protestam com veemência mesmo quando estão calados, como a gorda do citado conto Mariângela, que matou a mãe por esta ter impedido a realização de seu primeiro amor. A gorda não fala: sua fala é o próprio corpo de 240 quilos, atravessado no meio do trânsito.
    Os personagens de Amar É Crime são ?monstros? que despertam como vulcões, seres atolados que de repente resolvem ?voar? ? ou amar ? e saem pelas ruas aos gritos, reivindicando o que lhes foi recusado pela sociedade injusta e opressora. ?Hoje o mundo vai saber de mim?, diz o jovem protagonista de Crime. Chamar atenção, transformar o seu drama invisível em urgência notada por todos, é o desejo que move a maioria dessas criaturas. Outro bom exemplo é dado pela menina do con­to Declaração, que foi seduzida pela pro­fessora: ?Vim para gritar. O meu amor, para todo o sempre, meu amor, seu juiz, sem fim. Ninguém consegue segurar este motim?
    O impulso de afirmar o amor clandestino, em contraposição à cegueira da cidade (ter­ritório da lei), que não tem olhos para vê-lo, aparece também no conto União Civil. Na paisagem imperturbável de São João Del Rey, a imagem epifânica de dois homens empurrando um carrinho de bebê parece ser vista apenas pelo narrador, que a mistura com cenas de seu próprio passado ? do seu criminoso amor infantil. Neste conto metalinguístico e densamente poético, o pro­cesso de construção da narrativa se confunde com os percalços da iniciação amorosa e da descoberta de si mesmo.
    Com suas ações extremadas, os perso­nagens de Marcelino Freire não querem apenas parar a cidade ? como quem desfila na avenida ou vê sua vida transformada em notícia escandalosa, em enredo de novela das oito. Querem a atenção de todos, sim, mas certamente porque seu drama não se limita ao indivíduo.
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    Citações de Amar é Crime

    Escrever é organizar os sentimentos perdidos.

    – Vocês têm filhos? A vendedora me pergunta. Eu faço que não escuto. Não vê que o Sebastian não tem mais idade? Ontem, o coitado nem sabe. Trepei com o Dito. Se fosse para ter filhos, eu teria com o Dito. Para o Sebastian criar. Deixar criança para se matar no morro, nem pensar. – Sua vaca! Não é que o Dito ontem me chamou de vaca? Pode? Eu é que não vou aguentar ninguém mais me chamar assim. Não sei por que não mandei aquele negrinho pentelho pastar?

    O velho da farmácia gostava de esfregar em mim. Menininha, venha aqui. Não quer fazer uma faxina? E tirava a vassoura e pedia para eu levantar aquela vassoura. E escovava o meu corpo. E limpava lá dentro, o meu corpo de anjo. Sim, de anjo. O marmanjo babava, caduco. E depois me dava uma moeda, um cascudo. E eu devia ser boa de faxina. Porque veio mais gente chegando. Passando o rodo. Um monte de cachorro, abusando do meu jeito. Pelado. Do meu jeito de mexer. Inocente. Achando que o mundo respeita quando a boneca está descabelada. Respeita quando a boneca está quebrada. Respeita quando a boneca está esfolada.

    da mesma forma que você dá o pão à mesa dá a mão um abraço da mesma forma que você dá um aviso um acorde dá um choque um chute um salto da mesma forma que você dá uma carona um passo dá uma força um recado da mesma forma que você dá uma bronca um tapa dá um duro uma gravata da mesma forma que você dá a luz uma ideia dá um gole uma festa da mesma forma que você dá uma rosa um beijo dá uma bala uma moeda da mesma forma que você dá boa tarde boa noite boas-vindas dá uma desculpa um tempo da mesma forma que você dá de cara dá de frente dá de ombros de bandinha da mesma forma que você não me dá a mínima não me dá ouvidos não me dá bola da mesma forma que você não dá o melhor de si eu dou o cu meu amor e daí

    Escrever é organizar os sentimentos perdidos. Já

    NUNCA, nunquinha que eu vesti um vestido longo. Sempre nuazinha, quando pequenininha, com a tabaquinha de fora. A barriguinha. Mamãe não tinha o que comer. E a gente ficava ali, agarrada à sainha curta dela, na costela, feito sarna, piolho, sebo, carrapato. Eu não tinha nem sapato. O pé no pé, na sola da calçada. Uma miséria braba. Uma miséria pornográfica, é. Por-no-grá-fi-ca. A miséria no Brasil, puta que pariu, é pornográfica.

    Repito, por isso, moça: quero, hoje, este vestido longo. Quanto é? Quanto morre? Quanto custa?

    A impressão que eu tenho é que um conto nasce em algum ponto da vida da gente.

    Escrever é organizar os sentimentos perdidos.

    A miséria no Brasil, puta que pariu, é pornográfica. De nascença. Todo mundo nu. Assim que nasce, aparece, cresce exibindo a bunda, mostrando o caroço do cu.

    da mesma forma que você dá o pão à mesa dá a mão um abraço da mesma forma que você dá um aviso um acorde dá um choque um chute um salto da mesma forma que você dá uma carona um passo dá uma força um recado da mesma forma que você dá uma bronca um tapa dá um duro uma gravata da mesma forma que você dá a luz uma ideia dá um gole uma festa da mesma forma que você dá uma rosa um beijo dá uma bala uma moeda da mesma forma que você dá boa tarde boa noite boas-vindas dá uma desculpa um tempo da mesma forma que você dá de cara dá de frente dá de ombros de bandinha da mesma forma que você não me dá a mínima não me dá ouvidos não me dá bola da mesma forma que você não dá o melhor de si eu dou o cu meu amor e daí

    – Vocês têm filhos? A vendedora me pergunta. Eu faço que não escuto. Não vê que o Sebastian não tem mais idade? Ontem, o coitado nem sabe. Trepei com o Dito. Se fosse para ter filhos, eu teria com o Dito. Para o Sebastian criar. Deixar criança para se matar no morro, nem pensar. – Sua vaca! Não é que o Dito ontem me chamou de vaca? Pode? Eu é que não vou aguentar ninguém mais me chamar assim. Não sei por que não mandei aquele negrinho pentelho pastar?

    Escrever é organizar os sentimentos perdidos. Já

    NUNCA, nunquinha que eu vesti um vestido longo. Sempre nuazinha, quando pequenininha, com a tabaquinha de fora. A barriguinha. Mamãe não tinha o que comer. E a gente ficava ali, agarrada à sainha curta dela, na costela, feito sarna, piolho, sebo, carrapato. Eu não tinha nem sapato. O pé no pé, na sola da calçada. Uma miséria braba. Uma miséria pornográfica, é. Por-no-grá-fi-ca. A miséria no Brasil, puta que pariu, é pornográfica.

    O velho da farmácia gostava de esfregar em mim. Menininha, venha aqui. Não quer fazer uma faxina? E tirava a vassoura e pedia para eu levantar aquela vassoura. E escovava o meu corpo. E limpava lá dentro, o meu corpo de anjo. Sim, de anjo. O marmanjo babava, caduco. E depois me dava uma moeda, um cascudo. E eu devia ser boa de faxina. Porque veio mais gente chegando. Passando o rodo. Um monte de cachorro, abusando do meu jeito. Pelado. Do meu jeito de mexer. Inocente. Achando que o mundo respeita quando a boneca está descabelada. Respeita quando a boneca está quebrada. Respeita quando a boneca está esfolada.

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