?Em Fernando Pessoa, especialmente na sua poesia, consuma-se aquele estado ideal de comunicação, pelo qual o leitor passa a ser parte da ação poética, porque o que o poeta diz impregna-se de uma verdade de vida que consiste exatamente em não decretar verdade nenhuma. Já no espantoso fenômeno da invenção dos heterônimos (vários poetas falando pela boca de um só), Fernando Pessoa quis traçar seu mapa do tesouro, cuja paixão consiste na aventura da procura, mais do que no prazer definitivo da descoberta. Pessoa não quis o definitivo, deixou abertas todas as possibilidades conceituais da dúvida, e através dela permitiu ao leitor comum o supremo prazer de se reconhecer inventor, copartícipe de uma cínica e fascinante teoria do fingimento. [...] Quando afirma ?Viver não é necessário; o que é necessário é criar?, está chancelando seu mais alto desígnio. E não se trata de uma qualidade nascida com ele, e só nele revelada, porque a partir disso ele alerta todos os poetas para o mistério simples e imediato da transcendência, mesmo quando a concretude é instrumento direto da revelação.
Em sua biografia lê-se, por exemplo, que o comovente poema ?O menino de sua mãe? foi motivado por uma litografia que viu numa pensão onde fora jantar com um amigo. Para os atletas da inspiração, trata-se de uma lição exemplar. Partindo de um dado possivelmente pouco expressivo, ele criou um poema perene, no qual todos os dados perceptivos foram formulados pela inteligência e pelo humanismo universal que só a inteligência sabe construir sobre a circunstância.?
Walmir Ayala