A grandeza e a importância de As aventuras de Augie March no contexto histórico da literatura norte-americana são bem conhecidas. A publicação do monumental romance, em 1953, ocasionou a imediata projeção nacional e internacional de Saul Bellow, até então autor de dois livros de sucesso apenas relativo. Escrito quase totalmente durante a estada do escritor em Paris (1948-50), o livro ocasionou uma verdadeira revolução na linguagem literária dos Estados Unidos.
À maneira dos pioneiros que primeiro exploraram as costas da América, o irrequieto narrador-protagonista desvela um novo continente da literatura em língua inglesa. Se em Ulisses James Joyce encena nas ruas de Dublin um épico labirinto de vozes míticas, As aventuras de Augie March consagra os bairros do empobrecido sul de Chicago, durante a Grande Depressão, como cenário natural das andanças desta espécie de desiludido Cândido do século XX. Do otimismo romântico da juventude ao cinismo pessimista da idade madura, desempenhando as profissões mais inusitadas - de sindicalista e corretor de imóveis a ladrão de livros -, Augie March é o arquétipo do anti-herói errante da literatura norte-americana contemporânea.
A movimentada trajetória de Augie March entre os Estados Unidos, o México e a Europa desenha o mapa desta espécie de grande epopeia irônica, habitada por numerosos tipos inesquecíveis. Além das celebradas inovações formais, As aventuras de Augie March apresenta uma maravilhosa galeria de personagens secundários: a rabugenta vovó Lausch e suas engraçadas expressões em iídiche, o rico Einhorn e sua sinistra cadeira de rodas, sem esquecer da enigmática águia Calígula, espécie de emblema das hesitações da aventura americana.
As palavras escolhidas pela Academia Sueca, ao justificar a atribuição do prêmio Nobel de Literatura de 1976 a Saul Bellow - "humana compreensão e sutil análise da cultura contemporânea" - sintetizam com rara propriedade a essência da arte narrativa de As aventuras de Augie March.