As Gengivas e a Viagem
Esse romance conta a história da peregrinação de dois carreiros por estrada velha. Percorrem desde os limites de Bambuí até Uberlândia numa época que remonta à década de 1960. O romance conta a história que dura uma semana – apesar de carregar suas quase 600 páginas. O mês escolhido é aquele de agosto, mês de ventos e de cachorro doido, como conta o autor. Livro interessantíssimo, mescla a história das romarias que são feitas até dias de hoje à velha Água Suja de Nossa Senhora da Abadia. Um fragmento do texto: Ruberto Isoldino olhou a terra batida por onde trafegava o carro de boi. Olhou-a com a destreza da distância e da baliza, de tal forma sumida que travava entre as árvores da ruma maior das curvas todos os sinais de certeza e de identificação. Era o mês de agosto e no meio do mundo tem sempre um agosto, estupor que fica entre as sílabas acontecidas e os sinais de suas vontades: o mês de agosto. Tinha que sair da Vereda do Esforço, no distrito charmoso de Bambuí quando eram três horas da manhã do dia nove de agosto o ano sagrado de 1965. Se saíram muito mais tarde, com atraso capitular da marcha, não fosse por culpa sua, conforme ficaria a matutar enquanto se rompia adiante. Olhava a terra de face gesticulada, a banda dura de tanto se pisar a forja das horas. Estrada velha, aplanada pela falta de barrancos maiores nos lugares onde o rasgão foi feito mais sob casco de animais do que mesmo pela força da lâmina qualquer que faz brotar o frescor do cheiro e das larvas cujos nomes nem o desconhecimento pretende nomear. Tinha hora que dava de desanimar com aquela toada invertida dos bois, a paciência que os animais conseguiam para se abastecer da marcha, a dificuldade de tempo e a fome permanente. Nada podia aplacar as suas fomes quando eram os dias de viagem, como se fora uma condenação bruta que tivesse que sustentar naqueles dias. Mesmo olhando em face do Quinzinho, o que fingia poder puxar mais a marcha ainda sob jejum, ele se clareava na certeza de a fome podia matá-lo. E agosto acaba sendo o pior mês do ano para ofertas de frutas. Agosto não serve para nada, somente para o ornamento daqueles cachos grandes de cipó de são João que estabelecem a cor íntegra no lombo de outras árvores, o cavalo que se alarga no alaranjado da beleza suprema. De se perguntar sobre um detalhe assim sem ranço: Quem já viu uma montada de cipó de são João a um pau terra qualquer, pode dizer que já viu como igual ou até mais bonita? De jeito nenhum que pode dizer. Aquela cor orna demais e puxa as próprias cicatrizes do silêncio para junto do olho que observa. Ruberto Isoldino punha sentido naquele artesanato de grande circuito embelezado. Comprava as formas daquilo com outras flores. Chegava a imaginar que até teria saudades do agosto do ano seguinte, apesar de ser agosto o mês mais magro e o centro das estações mais sem graça que há na face dessa terra. Os cachos das flores descendo a encosta da árvore que servia de cavalo, tudo numa imitação de torpor feminino, daquelas situações que fazem o sujeito pensar que numa mulher o que mais orna acaba sendo ela mesma. E, os bois de carro, com aquela nomeação de todos, de Rochedo a Camarão, nada destoava quando o carreiro gritava o nome do animal e a resposta era imediata como uma queda de cachoeira. De qualquer forma, quando tolda e veda o cipó de são João, a vista agradece com um sistema de lampejo, já que não existe cor mais quente nunca que o alaranjado dissolvido na sequidão dessas chapadas sopradas pela ventania dos agostos e cios de cachorros perdidos. Assim, o saber que ocupa o lado vigilante do mundo. Os cachos, como em posição de cabelos de uma mulher dolorosamente desejada. Orna.
Orna tanto que se põe sem substituição.
Esse romance conta a história da peregrinação de dois carreiros por estrada velha. Percorrem desde os limites de Bambuí até Uberlândia numa época que remonta à década de 1960. O romance conta a história que dura uma semana – apesar de carregar suas quase 600 páginas. O mês escolhido é aquele de agosto, mês de ventos e de cachorro doido, como conta o autor. Livro interessantíssimo, mescla a história das romarias que são feitas até dias de hoje à velha Água Suja de Nossa Senhora da Abadia. Um fragmento do texto: Ruberto Isoldino olhou a terra batida por onde trafegava o carro de boi. Olhou-a com a destreza da distância e da baliza, de tal forma sumida que travava entre as árvores da ruma maior das curvas todos os sinais de certeza e de identificação. Era o mês de agosto e no meio do mundo tem sempre um agosto, estupor que fica entre as sílabas acontecidas e os sinais de suas vontades: o mês de agosto. Tinha que sair da Vereda do Esforço, no distrito charmoso de Bambuí quando eram três horas da manhã do dia nove de agosto o ano sagrado de 1965. Se saíram muito mais tarde, com atraso capitular da marcha, não fosse por culpa sua, conforme ficaria a matutar enquanto se rompia adiante. Olhava a terra de face gesticulada, a banda dura de tanto se pisar a forja das horas. Estrada velha, aplanada pela falta de barrancos maiores nos lugares onde o rasgão foi feito mais sob casco de animais do que mesmo pela força da lâmina qualquer que faz brotar o frescor do cheiro e das larvas cujos nomes nem o desconhecimento pretende nomear. Tinha hora que dava de desanimar com aquela toada invertida dos bois, a paciência que os animais conseguiam para se abastecer da marcha, a dificuldade de tempo e a fome permanente. Nada podia aplacar as suas fomes quando eram os dias de viagem, como se fora uma condenação bruta que tivesse que sustentar naqueles dias. Mesmo olhando em face do Quinzinho, o que fingia poder puxar mais a marcha ainda sob jejum, ele se clareava na certeza de a fome podia matá-lo. E agosto acaba sendo o pior mês do ano para ofertas de frutas. Agosto não serve para nada, somente para o ornamento daqueles cachos grandes de cipó de são João que estabelecem a cor íntegra no lombo de outras árvores, o cavalo que se alarga no alaranjado da beleza suprema. De se perguntar sobre um detalhe assim sem ranço: Quem já viu uma montada de cipó de são João a um pau terra qualquer, pode dizer que já viu como igual ou até mais bonita? De jeito nenhum que pode dizer. Aquela cor orna demais e puxa as próprias cicatrizes do silêncio para junto do olho que observa. Ruberto Isoldino punha sentido naquele artesanato de grande circuito embelezado. Comprava as formas daquilo com outras flores. Chegava a imaginar que até teria saudades do agosto do ano seguinte, apesar de ser agosto o mês mais magro e o centro das estações mais sem graça que há na face dessa terra. Os cachos das flores descendo a encosta da árvore que servia de cavalo, tudo numa imitação de torpor feminino, daquelas situações que fazem o sujeito pensar que numa mulher o que mais orna acaba sendo ela mesma. E, os bois de carro, com aquela nomeação de todos, de Rochedo a Camarão, nada destoava quando o carreiro gritava o nome do animal e a resposta era imediata como uma queda de cachoeira. De qualquer forma, quando tolda e veda o cipó de são João, a vista agradece com um sistema de lampejo, já que não existe cor mais quente nunca que o alaranjado dissolvido na sequidão dessas chapadas sopradas pela ventania dos agostos e cios de cachorros perdidos. Assim, o saber que ocupa o lado vigilante do mundo. Os cachos, como em posição de cabelos de uma mulher dolorosamente desejada. Orna.
Orna tanto que se põe sem substituição.