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    Coração tão branco

    Por Javier Marías
    Existem 10 citações disponíveis para Coração tão branco

    Sobre

    Juan é intérprete e tradutor, como Luisa, com quem acabou de casar. Ouvir e contar é o seu ofício. Ouvir, para ele, é quase uma obsessão, como uma forma de fazer existir o que acontece. Mas devemos contar sempre o que ouvimos? Não é melhor, às vezes, calar, guardar segredo, para que o passado não permaneça presente? E não é melhor, às vezes, não ouvir, para não saber e, assim, nos proteger?

    Foi ouvindo sem querer que ele descobriu que sua tia não morrera de morte natural, mas se suicidara. E que, antes dela, outra esposa de seu pai, cuja existência até então ignorava, também morrera tragicamente. Ouvir essas revelações não buscadas agravou o mal-estar que Juan sentia desde o dia de seu casamento com Luisa, desde que seu pai, durante a recepção no Cassino, chamou-o para uma conversa reservada e pronunciou a palavra fatal, segredo: "Quando você tiver segredos ou se já os tiver, não os conte. Boa sorte".

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    Citações de Coração tão branco

    Só lhe digo uma coisa — falou. — Quando você tiver segredos ou se já os tiver, não os conte.

    Quem sabe simplesmente não queiram incorporar ao mundo o relato de um fato que oxalá não tivesse acontecido. Não o contar é apagá-lo um pouco, esquecê-lo um pouco, negá-lo, não contar sua história pode ser um pequeno favor que fazem ao mundo. É preciso respeitar isso.

    “Ninguém nunca me disse que a dor era uma sensação tão parecida com o medo”.

    (“Escutar é o mais perigoso”, pensei, “é saber, é ser inteirado e estar a par, os ouvidos não têm pálpebras que se possam fechar instintivamente ao que é dito, não se podem resguardar do que se pressente que se vai escutar, sempre é tarde demais. Agora já sabemos, e pode ser que isso manche nossos corações tão brancos, ou talvez sejam pálidos e temerosos, ou acovardados.”)

    “Minhas mãos são de tua cor”, anuncia a Macbeth; “mas me envergonha trazer um coração tão branco”, como se tentasse contagiá-lo com sua despreocupação em troca de ela se contagiar com o sangue derramado de Duncan, a não ser que “branco” queira dizer aqui “pálido e temeroso” ou “acovardado”. Ela sabe, ela está a par e esse é seu erro, mas não cometeu o crime por mais que o lamente ou garanta lamentá-lo; manchar as mãos com o sangue do morto é um jogo, um fingimento, um falso entendimento seu com o que mata, porque não se pode matar duas vezes, e já está feito o fato: “I have done the deed”, e nunca há dúvida de quem é “eu”: embora Lady Macbeth tivesse voltado a cravar os punhais no peito de Duncan assassinado, nem por isso o teria matado ou contribuído para isso, já estava feito. “Um pouco de água nos limpa” (ou talvez “nos limpe”) “desse ato”, diz a Macbeth

    muitas vezes o mundo inteiro se move apenas para deixar de ocupar seu lugar e usurpar o de outro, só por isso, para se esquecer de si mesmo e enterrar o que foi, todos nós nos cansamos indizivelmente de ser o que somos e o que fomos.

    tudo é passado e não aconteceu, e além do mais não se sabe.

    Às vezes tenho a sensação de que o que ocorre é idêntico ao que não ocorre, o que descartamos ou deixamos passar idêntico ao que pegamos e agarramos, o que experimentamos idêntico ao que não provamos, e no entanto vai-nos a vida e vai-se-nos a vida em escolher, rejeitar e selecionar, em traçar uma linha que separe essas coisas que são idênticas e faça de nossa história uma história única que recordemos e possa ser contada, e assim ser apagada ou esfumada, a anulação do que vamos sendo e vamos fazendo.

    Escutar é o mais perigoso, é saber, é ser inteirado e estar a par, os ouvidos não têm pálpebras que se possam fechar instintivamente ao que é dito, não se podem resguardar do que se pressente que se vai escutar, sempre é tarde demais.

    “Minhas mãos são de tua cor”, anuncia a Macbeth; “mas me envergonha trazer um coração tão branco”, como se tentasse contagiá-lo com sua despreocupação em troca de ela se contagiar com o sangue derramado de Duncan, a não ser que “branco” queira dizer aqui “pálido e temeroso” ou “acovardado”. Ela sabe, ela está a par e esse é seu erro, mas não cometeu o crime por mais que o lamente ou garanta lamentá-lo; manchar as mãos com o sangue do morto é um jogo, um fingimento, um falso entendimento seu com o que mata, porque não se pode matar duas vezes, e já está feito o fato: “I have done the deed”, e nunca há dúvida de quem é “eu”: embora Lady Macbeth tivesse voltado a cravar os punhais no peito de Duncan assassinado, nem por isso o teria matado ou contribuído para isso, já estava feito. “Um pouco de água nos limpa” (ou talvez “nos limpe”) “desse ato”, diz a Macbeth sabendo que

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