Da relação com o saber às práticas educativas (Coleção Docência em Formação)
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Entre esses problemas, cabe destacar o da nova relação com o saber: há cada vez mais alunos que vão à escola apenas para “passar de ano”, sem encontrar nela sentido nem prazer.
Só aprende quem encontra alguma forma de prazer no fato de aprender. Quando digo
A transformação da escola está estritamente relacionada com a atividade do aluno.
O que caracteriza a pessoa é sua forma de se relacionar com o mundo, com os outros, consigo mesma e, portanto, com o saber e, de forma mais geral, com o aprender.
A situação é ainda mais difícil para o professor quando uma grande parte dos alunos pensa que quem é ativo no ato de ensino-aprendizagem é o professor. Hoje em dia, muitos jovens consideram que o aluno deve ir à escola, escutar, não fazer bobagens demais e que o restante depende do professor. Nessa lógica, se o aluno tirar nota ruim, a culpa é do professor: fui à escola, diz o aluno, escutei o professor e, portanto, se não sei nada, é porque o professor não explicou bem; o professor é quem deveria tirar nota ruim! Em tal lógica, o aluno desconhece a própria estrutura antropológica do ato de ensino-aprendizagem, da educação e, de forma mais geral, da ligação entre as gerações humanas.
Qual o critério da qualidade? Ter boas notas? Passar de ano? Decorar conteúdos que foram memorizados sem terem sido compreendidos? Entender a vida, o seu relacionamento com os outros e consigo mesmo?
Não se deve esquecer, ademais, que a educação não é somente humanização e subjetivação: é também socialização. Portanto, o ato de ensino-aprendizagem depende, igualmente, das estruturas e relações sociais.
O ato de ensino-aprendizagem não é unicamente um encontro entre dois indivíduos, professor e aluno; é, mais profundamente, um processo antropológico que embasa a especificidade da espécie humana.
As escolas, sobretudo as do ensino particular, estimulam essa relação com a escola e com o saber. Para apaziguar o mal-estar dos pais, falam em projetos, construtivismo etc. Mas a sua lógica profunda aparece nas faixas que colocam na fachada das casas ou dos prédios: “Fulano, aluno da nossa escola, foi aprovado no vestibular”. Nunca vi uma faixa parabenizando fulano por ter conseguido entender como se resolve uma equação do segundo grau… As crianças não são idiotas, elas entendem a mensagem: não se vai à escola para aprender, vai-se à escola para ser aprovado no vestibular.
Hoje em dia, o saber não se apresenta só como atividade e como patrimônio, mas, também, como mercadoria: o saber como passe, que permite passar de ano e passar no vestibular.
Ademais, os pais, em especial os da classe média, falam aos filhos na mesma lógica: “Se tirar nota boa em Matemática, ganhará um celular”. Tradução: “Estude a Matemática, meu filho, sei que é muito chata, mas, em compensação, ganhará um celular para ligar para sua namorada”…
Esse é um problema de sociedade e, talvez, de civilização: ao passo que se fala em Sociedade do saber, o saber está perdendo o seu valor de uso, para virar só valor de troca.
Essa lógica da concorrência causa, também, um sofrimento geral, o dos alunos, dos professores, dos pais. Talvez esse sofrimento seja, além da sua dimensão subjetiva e social, um sintoma de ferida antropológica: quando aprender, ou seja, participar da aventura humana, passa a se adquirir um capital que possibilita dominar outros seres humanos; é a própria espécie humana que sofre.
Dizem que o mundo contemporâneo requer produtores e consumidores mais reflexivos, mais criativos, mais autônomos, mais responsáveis e, portanto, mais bem-formados, educados e instruídos de um modo mais inteligente. No entanto, a sociedade globalizada atual incita a concorrência permanente. Já há vestibulinho no jardim de infância de escolas particulares… Essa lógica da concorrência gera uma forma idiota de ir à escola: se vai para repetir, decorar, colocar o X na casinha do questionário de prova.
Outra opção é possível: apostar na solidariedade entre seres humanos, cuja dependência com os demais, inclusive à escala mundial, se torna cada vez mais evidente. Portanto, apostar em outra forma de subjetividade, em outro tipo de relações sociais; apostar em uma espécie humana seguindo a sua aventura com a consciência de si mesma enquanto conjunto de seres humanos solidários no espaço e no tempo; apostar em outras formas de educar a cria do homem.