Da tranquilidade da alma
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Assim, devemos saber que o mal contra o qual trabalhamos não vem dos lugares, mas de nós mesmos; somos fracos para tolerar qualquer incômodo, não suportamos trabalhos, prazeres, desconfortos por muito tempo.
Tem consciência de que a vida é algo que lhe foi dado de empréstimo e, por isso, sujeita à restituição, sem tristeza, quando lhe for reclamada.
O que se exige do homem é que seja útil ao maior número de semelhantes, se possível. Caso não consiga, sirva a poucos, ou aos mais próximos, ou a si mesmo.
Talentos forçados respondem mal; se a natureza é relutante, o trabalho é infrutífero.
São inumeráveis as propriedades do vício, mas o seu efeito é um só: o aborrecer-se consigo mesmo.
o homem é por demais mortal para compreender as coisas imortais.
Suponhamos que haja duas repúblicas: uma grande e verdadeiramente pública na qual vivem homens e deuses e na qual nada se vê apenas por um ângulo, medindo a sua extensão pelo percurso do sol. A outra é aquela que nos foi dada ao nascer. É a dos atenienses ou a dos cartagineses ou qualquer outra que não pertença a todos os homens, apenas a alguns deles. Há indivíduos que se dedicam ao mesmo tempo a ambas; outros apenas à menor e outros, ainda, somente à maior. À república maior, mesmo na vida retirada, podemos servir, o que me parece até ser melhor,
a virtude, ainda que esteja obscura, nunca se esconde, mas emite os seus sinais. Quem quer que seja digno dela captará os seus vestígios.
Seguimos a nós mesmos e não conseguimos jamais nos desembaraçar de nossa própria companhia!
Não existe nada de tão amargo que não encontre consolo numa alma equilibrada. Frequentemente, áreas exíguas se tornam aptas para muitos usos devido à arte do arquiteto e uma boa disposição torna habitável mesmo um lugar estreito. Usa a razão nas dificuldades. As situações mais duras podem se suavizar, as apertadas podem se afrouxar, e as pesadas, se tornar mais leves, é só saber levá-las. Além do mais, os desejos não devem ser lançados para muito longe, mas permitamos que desabrochem nas proximidades, já que, de todo, não são passíveis de clausura. Abandonando essas coisas que não podem ser feitas ou apenas podem ser feitas de modo muito difícil, sigamos as coisas próximas e que alimentam a nossa esperança. Saibamos que todas as coisas são igualmente volúveis; embora exteriormente possam ter diversas faces, por dentro são igualmente vãs.
Para que inúmeros livros e bibliotecas dos quais o dono, durante uma vida inteira, lê apenas os índices? Uma infinidade de livros sobrecarrega, mas não instrui. Melhor ater-se a poucos autores do que errar por muitos.
Não existe nada de tão amargo que não encontre consolo numa alma equilibrada.
Ainda que não permita que lhe perturbem nem se descuide, ainda que controle seu tempo com muito cuidado e estenda as suas horas até o fim de sua vida, desde que o destino não retire nada do que recebeu da natureza, o homem é por demais mortal para compreender as coisas imortais.
Para concluir, a verdadeira felicidade consiste na virtude. O que essa virtude te aconselha? Ela considera como bem apenas o que está unido à virtude e como mau o que tem ligação com a maldade. Mais ainda, manda que sejas inabalável, quer frente ao mal, quer junto ao bem, de forma a que possas imitar deus dentro dos limites de tua própria capacidade. O que ganhas com isso? Privilégios dignos dos deuses. Não serás forçado a nada. Não terás necessidade de nada. Serás livre, seguro e imutável. Nada tentarás executar em vão. Tudo ocorrerá conforme o teu desejo. Nada será contrário aos teus desejos nem à tua vontade.
Agrada-me uma comida que não tenha sido preparada nem observada por muitos escravos domésticos, com muitos preparativos, nem muitos dias antes, mas que seja comum e de fácil preparo, que não tenha nada de rebuscado nem de exótico, que seja encontrada em qualquer lugar, que não seja pesada nem ao bolso nem ao corpo, que não saia por onde entrou.[1]