Os brasileiros conhecem bem o George Orwell de 1984 e A revolução dos bichos, duas fábulas políticas que marcaram época pelas críticas ao totalitarismo em imagens fortes. Mas a faceta de jornalista e ensaísta, apresentada agora em Dentro da baleia, merece igual atenção. Sua prosa de não-ficção tem a mesma capacidade de prender o leitor e, de tão cristalina e flexível, tornou-se um estilo que as boas escolas de jornalismo estudam no mundo todo. Seus temas continuam vivos por obra e graça de sua transparência corajosa e poder descritivo. Mesmo as reflexões políticas circunstanciais falam ao leitor de hoje.
A organização do livro, a cargo do jornalista Daniel Piza, procura abarcar a variedade de assuntos que interessava a Orwell. Na primeira parte, Orwell escreve sobre a carreira de escritor e lembra o período em que trabalhou como vendedor num sebo de livros. Ele também discute a arte da resenha e cria a categoria dos "bons livros ruins", aqueles que seguimos lendo com empolgação mesmo cientes dos defeitos. Na segunda parte, temos o Orwell memorialista e analista político. Textos como "Um enforcamento" e "O abate de um elefante" são clássicos do jornalismo literário. Em "Reflexões sobre Gandhi", Orwell causa controvérsia ao criticar a vaidade do pacifista mais famoso do século XX. Na terceira e última parte, literatura e política se misturam ainda mais, e ele examina autores como H.G. Wells, Tolstoi, Swift e Mark Twain à luz de suas opções políticas.
A pergunta que mais inquietou Orwell foi justamente a relação entre o escritor e a política, discutida no ensaio que dá título ao livro. Para ele, o escritor não deve ter visão partidária da realidade, mas também não pode fugir da responsabilidade de imaginar uma sociedade melhor. Como supunha que o mundo caminhava para o totalitarismo (a maioria de seus ensaios foi escrita nos anos 30 e 40), lamentou a morte do romance. Sua própria ficção, porém, foi prova do contrário. Em harmonia com seus ensaios, deu um grito de resistência que ainda ecoa.