Eurico o presbytero by Alexandre Herculano
Para as almas, não sei se diga demasiadamente positivas, se demasiadamente grosseiras, o celibato do sacerdocio não passa de uma condição, de uma formula social applicada a certa classe d'individuos cuja existencia ella modifica vantajosamente por um lado e desfavoravelmente por outro. A philosophia do celibato para os espiritos vulgares acaba aqui. Aos olhos dos que avaliam as cousas e os homens só pela sua utilidade social, essa especie d'insulação domestica do sacerdote, essa indirecta abjuração dos affectos mais puros e sanctos, os da familia, é condemnada por uns como contraria ao interesse das nações, como damnosa em moral e em politica, e defendida por outros como util e moral. Deus me livre de debater materia tantas vezes disputada, tantas vezes exhaurida pelos que sabem a sciencia do mundo e pelos que sabem a sciencia do céu! Eu, por minha parte, fraco argumentador, só tenho pensado no celibato á luz do sentimento e sob a influencia da impressão singular que desde verdes annos fez em mim a idéa da irremediavel solidão d'alma a que a igreja condemnou os seus ministros, especie de amputação espiritual, em que para o sacerdote morre a esperança de completar a sua existencia na terra. Supponde todos os contentamentos, todas as consolações que as imagens celestiaes e a crença viva podem gerar, e achareis que estas não supprem o triste vacuo da soledade do coração. Dae ás paixões todo o ardor que poderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentidos a maxima energia e convertei o mundo em paraizo, mas tirae delle a mulher, e o mundo será um ermo melancholico, os deleites serão apenas o preludio do tedio. Muitas vezes, na verdade, ella desce, arrastada por nós, ao charco immundo da extrema depravação moral; muitissimas mais, porém, nos salva de nós mesmos e, pelo affecto e enthusiasmo, nos impelle a quanto ha bom e generoso. Quem, ao menos uma vez, não creu na existencia dos anjos revelada nos profundos vestigios dessa existencia impressos n'um coração de mulher? E porque não sería ella na escala da creação um anel da cadeia dos entes, presa, de um lado, á humanidade pela fraqueza e pela morte e, do outro, aos espiritos puros pelo amor e pelo mysterio? Porque não sería a mulher o intermedio entre o céu e a terra?
Mas, se isto assim é, ao sacerdote não foi dado comprehendê-lo; não lhe foi dado julgá-lo pelos mil factos que no-lo tem dicto, a nós os que não jurámos juncto do altar repellir metade da nossa alma, quando a providencia no-la fizesse encontrar na vida. Ao sacerdote cumpre acceitar esta por verdadeiro desterro: para elle o mundo deve passar desconsolado e triste, como se nos apresenta ao despovoarmo-lo daquellas por quem e para quem vivemos.
Para as almas, não sei se diga demasiadamente positivas, se demasiadamente grosseiras, o celibato do sacerdocio não passa de uma condição, de uma formula social applicada a certa classe d'individuos cuja existencia ella modifica vantajosamente por um lado e desfavoravelmente por outro. A philosophia do celibato para os espiritos vulgares acaba aqui. Aos olhos dos que avaliam as cousas e os homens só pela sua utilidade social, essa especie d'insulação domestica do sacerdote, essa indirecta abjuração dos affectos mais puros e sanctos, os da familia, é condemnada por uns como contraria ao interesse das nações, como damnosa em moral e em politica, e defendida por outros como util e moral. Deus me livre de debater materia tantas vezes disputada, tantas vezes exhaurida pelos que sabem a sciencia do mundo e pelos que sabem a sciencia do céu! Eu, por minha parte, fraco argumentador, só tenho pensado no celibato á luz do sentimento e sob a influencia da impressão singular que desde verdes annos fez em mim a idéa da irremediavel solidão d'alma a que a igreja condemnou os seus ministros, especie de amputação espiritual, em que para o sacerdote morre a esperança de completar a sua existencia na terra. Supponde todos os contentamentos, todas as consolações que as imagens celestiaes e a crença viva podem gerar, e achareis que estas não supprem o triste vacuo da soledade do coração. Dae ás paixões todo o ardor que poderdes, aos prazeres mil vezes mais intensidade, aos sentidos a maxima energia e convertei o mundo em paraizo, mas tirae delle a mulher, e o mundo será um ermo melancholico, os deleites serão apenas o preludio do tedio. Muitas vezes, na verdade, ella desce, arrastada por nós, ao charco immundo da extrema depravação moral; muitissimas mais, porém, nos salva de nós mesmos e, pelo affecto e enthusiasmo, nos impelle a quanto ha bom e generoso. Quem, ao menos uma vez, não creu na existencia dos anjos revelada nos profundos vestigios dessa existencia impressos n'um coração de mulher? E porque não sería ella na escala da creação um anel da cadeia dos entes, presa, de um lado, á humanidade pela fraqueza e pela morte e, do outro, aos espiritos puros pelo amor e pelo mysterio? Porque não sería a mulher o intermedio entre o céu e a terra?
Mas, se isto assim é, ao sacerdote não foi dado comprehendê-lo; não lhe foi dado julgá-lo pelos mil factos que no-lo tem dicto, a nós os que não jurámos juncto do altar repellir metade da nossa alma, quando a providencia no-la fizesse encontrar na vida. Ao sacerdote cumpre acceitar esta por verdadeiro desterro: para elle o mundo deve passar desconsolado e triste, como se nos apresenta ao despovoarmo-lo daquellas por quem e para quem vivemos.