Um dos principais intelectuais de nosso tempo investiga as articulações ideológicas e estéticas das obras decisivas do genial pintor espanhol.
No final de 1792, Goya contraiu uma doença misteriosa que o deixou de cama durante várias semanas. Em janeiro do ano seguinte, parcialmente restabelecido, estava totalmente surdo. O pintor aragonês era um dos artistas prediletos da corte espanhola, retratista de reis, nobres e damas da corte, além de autor de pinturas com temas bíblicos sob encomenda da Igreja. A surdez repentina e completa, segundo Tzvetan Todorov, marcou uma profunda transformação em seu modo de pintar, desenhar e ver o mundo.
Num percurso semelhante ao de seu contemporâneo Beethoven, o profeta do romantismo que também padeceu de surdez, Goya começou a abandonar a representação da realidade objetiva e a reverência aos cânones acadêmicos para se concentrar nas visões fantasmáticas que o obcecavam.
Acontecimento então inédito na história da arte ocidental, o autor da Maja desnuda continuou trabalhando como um bem-comportado artista da corte madrilenha ao mesmo tempo que mergulhava nos subterrâneos mais obscuros da natureza humana, criando séries radicalmente experimentais como Caprichos e Desastres da guerra.
Todorov, linguista e crítico búlgaro-francês considerado um dos mais importantes intelectuais vivos, propõe um eficiente roteiro para a compreensão das linhas de força da obra de Goya. A partir da influência das ideias iluministas sobre o pintor espanhol, o autor disseca as relações entre filosofia, estética e história na gênese de seus trabalhos-chave.