Heróis demais, oitavo livro de Laura Restrepo, traz a história clássica de um filho em busca do pai. Mas essa busca não é nada clássica, nem esse pai. Mateo, um adolescente de dezesseis anos, vai para Buenos Aires com a mãe, Lorenza, esperando encontrar o pai que não vê desde a infância. Para que Mateo entenda como e por que tudo aconteceu, Lorenza fala dos quatro anos de militância que ela e o pai de Mateo viveram, na Argentina nos tempos da guerra suja.
Apesar do olhar cheio de saudade pelo passado, os retratos de Lorenza, dos demais companheiros e da própria luta são traçados com alguma ironia, e a complacência da mãe esbarra nas críticas do filho. Mateo, um adolescente mais interessado em jogos eletrônicos que em política, está cansado: cansado desse pai fantasma, cansado da mãe onipresente, cansado de ser arrastado por acontecimentos que não compreende. Há uma tensão ambígua entre Lorenza e Mateo, feita de culpas, desculpas, acusações, mas também de compreensões e de um afeto enorme, que muitas vezes leva a cenas tristemente cômicas.
No centro do imbróglio está o silêncio. Por motivos de segurança, Lorenza e o amante calavam até o que não deviam, vivendo assim numa espécie de vácuo, sustentados quase que apenas pelo inimigo comum. Quando o inimigo sumiu, eles não se reconheceram mais, nem souberam o que fazer de si mesmos. Daí a dificuldade que Lorenza tem de falar para o filho sobre uma pessoa de carne e osso. Mas agora esse silêncio tem de ser rompido. O passado tem de ser amansado com palavras, ou continuará fazendo vítimas.
Um assunto delicado e doloroso, mas que Laura Restrepo aborda com extraordinária leveza e bom humor. Com uma linguagem perfeitamente coloquial, mas que não dispensa o rigor técnico, o romance se estrutura numa montagem de tempos e cenários que faz lembrar Mario Vargas Llosa, deixando o leitor à espera do desfecho do drama até os últimos parágrafos, como numa boa história policial.