HHhH
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Para que alguma coisa penetre na memória, primeiro é preciso transformá-la em literatura.
“Cada Estado tem necessidade de uma elite. A elite do Estado nacional-socialista é a SS. Ela é o lugar onde se perpetuam, sobre a base da seleção racial, conjugada às exigências do tempo presente, a tradição militar alemã, a dignidade da nobreza alemã e a eficácia do industrial alemão”.
(“HHhH”, dizem na SS: Himmlers Hirn heißt Heydrich — o cérebro de Himmler chama-se Heydrich),
“Vocês deviam escolher entre a guerra e a desonra. Escolheram a desonra. E terão a guerra.”
Os que morreram estão mortos e não lhes faz diferença serem homenageados. É para nós, os vivos, que isso significa alguma coisa. A memória não tem utilidade nenhuma aos que ela honra, mas serve quem a busca. Com ela me construo, e com ela me consolo.
Vinte e oito de setembro de 1938, três dias antes dos acordos. O mundo retém a respiração. Hitler se mostra mais ameaçador do que nunca. Os tchecos sabem que, se abandonarem aos alemães a barreira natural que constitui para eles a região dos Sudetos, estarão mortos. Chamberlain declara: “Não é terrível, fantástico, inusitado, que estejamos em via de cavar abrigos por causa de uma disputa surgida num país distante, entre homens dos quais nada conhecemos?”.
Voltei com Aurélia numa hora em que a igreja estava deserta e pudemos visitar a cripta. Na cripta havia tudo. 6 Havia traços ainda terrivelmente recentes do drama que terminou nesse lugar, mais de sessenta anos atrás: no lado interno do respiradouro visto da rua, um túnel cavado em alguns metros, impactos de balas nas paredes e no teto curvado, duas pequenas portas de madeira. Mas havia também os rostos dos paraquedistas em fotos, num texto redigido em tcheco e em inglês, o nome de um traidor, um impermeável, uma sacola, uma bicicleta reunidos junto a um cartaz, havia uma submetralhadora Sten que travou no pior momento, havia mulheres evocadas, havia imprudências mencionadas, havia Londres, havia a França, havia os legionários estrangeiros, havia um governo no exílio, havia uma aldeia chamada Lídice, havia um jovem de atalaia chamado Valčík, havia um bonde que passa, ele também, no pior momento, havia uma máscara mortuária, havia uma recompensa de dez milhões de coroas para aquele ou aquela que denunciasse, havia cápsulas de cianureto, havia granadas e homens para lançá-las, havia estações de rádio e mensagens codificadas, havia um entorse no tornozelo, havia a penicilina que só podia ser obtida na Inglaterra, havia uma cidade inteira sob o controle daquele que denominavam “o carrasco”, havia bandeiras com a suástica e insígnias de caveira, havia espiões alemães que trabalhavam para a Inglaterra, havia um Mercedes preto com um pneu furado, havia um motorista, havia um homem sanguinário, havia dignitários ao redor de um ataúde, havia policiais inclinados sobre cadáveres, havia represálias terríveis, havia a grandeza e a loucura, a fraqueza e a traição, a coragem e o medo, a esperança e a tristeza, havia todas as paixões humanas reunidas em poucos metros quadrados, havia a guerra e havia a morte, havia judeus deportados, famílias massacradas, soldados sacrificados, havia vingança e cálculo político, havia um homem que, entre outras coisas, tocava violino e praticava es
conferência de Wannsee durante a qual, em 20 de janeiro de 1942, Heydrich, assistido por Eichmann, fixou em algumas horas as modalidades de aplicação da Solução Final. Nessa data, as execuções em massa já haviam começado na Polônia e na União Soviética, mas confiadas aos comandos de extermínio SS, os Einsatzgruppen, que se contentavam em reunir suas vítimas às centenas ou mesmo aos milhares, geralmente num campo ou numa floresta, antes de abatê-las à metralhadora. O problema desse método é que ele submetia os nervos dos carrascos a uma rude prova e prejudicava o moral das tropas, mesmo tão endurecidas quanto o SD ou a Gestapo — o próprio Himmler desmaiaria ao assistir a uma dessas execuções em massa. Posteriormente os SS passaram a asfixiar suas vítimas em caminhões abarrotados, para o interior dos quais viravam o cano de escapamento, mas continuava sendo uma técnica relativamente artesanal. Depois de Wannsee, o extermínio dos judeus, confiado por Heydrich aos cuidados do seu fiel Eichmann, foi administrado como um projeto logístico, social, econômico, de grande envergadura.
Heydrich ameaça: todos os que não prestarem uma conta exata de sua produção terão as propriedades confiscadas. Os ruralistas estão paralisados. Sabem que, mesmo se Heydrich decidisse esfolar vivos os contraventores na praça da Cidade Velha, ninguém viria defendê-los. Ser cúmplice do mercado negro é tirar a comida do povo, e nesse ponto o povo apoia as medidas de Heydrich, que realiza, assim, uma façanha política: fazer reinar o terror e aplicar uma medida popular ao mesmo tempo.
Numa manhã de setembro de 1941, os judeus de Kiev se dirigiram aos milhares ao local de reunião onde haviam sido convocados, com seus poucos pertences, resignados a serem deportados, sem suspeitar da sorte que o alemão lhes reservava. Todos compreenderam tarde demais, alguns logo ao chegarem, outros apenas à beira da cova. Entre esses dois momentos, o procedimento era sumário: os judeus entregavam suas malas, seus objetos de valor e seus papéis de identidade, que eram rasgados diante deles. Depois deviam passar entre duas fileiras de SS sob uma saraivada de golpes. Os Einsatzgruppen batiam neles com porretes de pau ou de borracha, demonstrando uma violência extrema. Se um judeu caía, soltavam-lhe os cães em cima ou ele era pisoteado pela multidão enlouquecida. Ao sair desse corredor infernal, desembocando num terreno baldio, os judeus estarrecidos eram intimados a se despir inteiramente, depois eram conduzidos completamente nus até a beira de uma cova gigantesca. Ali, os mais obtusos ou os mais otimistas deviam abandonar toda a esperança. O absoluto terror que os invadia nesse instante preciso os fazia urrar. No fundo da cova empilhavam-se os cadáveres. Mas a história desses homens, dessas mulheres e dessas crianças ainda não terminou inteiramente à beira desse abismo. De fato, por um cuidado de eficiência muito alemão, os SS, antes de abater suas vítimas, faziam-nas primeiro descer ao fundo da cova onde as esperava um “amontoador”. O trabalho do amontoador era equivalente ao do lanterninha de um teatro. Ele conduzia cada judeu sobre um monte de corpos e, quando encontrava um lugar, fazia-o deitar-se de bruços, vivente nu estendido sobre cadáveres nus. Então um atirador, caminhando sobre os mortos, abatia os vivos com uma bala na nuca. Notável taylorização da morte em massa.