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    Mar azul

    Por Paloma Vidal
    Existem 5 citações disponíveis para Mar azul

    Sobre



    Solitária numa cidade estrangeira, uma mulher no começo da velhice se dedica a tarefas corriqueiras. Observa o voo dos pombos no pátio, frequenta a piscina, marca consultas médicas que considera cada vez mais urgentes. Mas, dentro de casa, empreende uma atividade peculiar, quase clandestina: lê os diários de seu pai. E escreve suas próprias linhas nos versos das páginas. O contato entre as duas grafias vai desvelando as pistas de uma história sempre incompleta.
    Mar azul retoma alguns dos elementos que consagraram Paloma Vidal como uma das vozes mais marcantes da prosa brasileira contemporânea. A memória ? zona opaca de elipses e de impasses ? é pedra de toque para uma trama que nunca se deixa ver por inteiro. No compasso melancólico de um cotidiano marcado pelo exílio, o passado ressurge em fiapos, peças de um quebra-cabeça naturalmente movediço, no qual os nomes de personagens e cidades, a cronologia ou os fatos não exigem evidência; em geral, não passam de insinuações.
    A ausência e o luto, a distância e o esquecimento pairam sobre Mar azul. Apenas a água, o oceano e as lembranças de uma viagem à praia parecem um norte possível, alento para a dificuldade de fixar afetos e decifrar as próprias dores. A solidão ? fruto do hábito paterno de estar sempre de partida ? aproxima a protagonista de Vicky, que se tornará sua melhor amiga. É a experiência desse convívio que abre o livro, cujas primeiras páginas são tomadas por fragmentos de diálogos entre as duas, ainda adolescentes.
    São diálogos forjados pelo constante jogo de revelar e esconder, inquirir e insinuar, contornar o perigo e as ameaças secretas com um jeito ora titubeante, ora luminoso. Nesse jogo, perseguem a dúvida como elemento precioso e aflito da intimidade, enquanto refletem a identidade, marcada simultaneamente por vertigens de silêncio e ímpetos de violência, de quem foi jovem na América Latina, em algumas décadas do século passado.
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    Citações de Mar azul

    Só o mar me acolhe do lado de fora. Será ele uma espécie de memória? O receptáculo de um corpo estranho, que é o meu próprio, em movimento, no tempo em que ele mal sabia de sua própria existência, mas se movia com prazer, ondulando na água?

    Quando eu o via aparecer era como um milagre porque tudo era tão incerto. Quem sabe ele tivesse morrido. Quem sabe um acidente, a prisão, um sequestro. Havia em meu pai algo de clandestino. Ainda que ele tivesse um trabalho regular e saísse todas as manhãs para cumpri-lo. Ainda que sua vida paralela de tradutor não chegasse a torná-lo um excêntrico. Havia algo nos seus amigos e nas reuniões noturnas sob nuvens de fumaça; na forma como falavam da situação do país com prognósticos soturnos; e baixavam a voz como conspiradores, enquanto preparavam uma jogada de xadrez.

    Aquela paisagem fazia parte da minha memória, mas era também uma descoberta, pois havia muito tempo não viajava. No banco de trás do Citroën do meu pai, a solidão era tão vasta quanto o que eu via do lado de fora.

    Meu pai estava sempre de partida. Então quando partiu de vez foi apenas mais uma. Porque antes de vir para cá ele foi para “o sul” e depois para “o interior”. Ele dava nomes assim, vagos, aos lugares e às vezes indicava datas. Foi só ao perceber que daquela vez ele não havia precisado nada que comecei minha aprendizagem da solidão; e também passei a ler sinais, tarefa que me uniu de imediato a Vicky.

    Isto não é um diário, nem uma carta, nem uma autobiografia, nem qualquer outro modo de escrita íntima. Só escrevo porque ele escreveu do outro lado.

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