?Os contos de Morangos mofados mostram a fé fundamental que iluminou o projeto libertário da contracultura. A fé que orientou o sonho cujo primeiro grande impulso vem dos ?rebeldes sem causa? de Elvis e Dean, que se define em seguida com a ?grande recusa? da sociedade tecnocrática pelo flower power ao som dos Beatles e dos Rolling Stones, e que ganha, de forma inesperada, uma nova e mágica força no momento em que Lennon declara drasticamente: o sonho acabou.
Os Morangos de Caio têm uma irresistível atualidade. Modificando caminhos percorridos, põem em cena uma possível pontuação para essa história, ou, como esclarece o conto ?Os companheiros?: ?Uma história nunca fica suspensa, ela se consuma no que se interrompe, ela é cheia de pontos finais?.?
HELOISA BUARQUE DE HOLANDA
O QUE PRIMEIRO chama a atenção na leitura de Morangos mofados é a fineza de estilos, a agudeza e a percepção de CAIO FERNANDO ABREU para tratar da essência, do que há mais profundo no ser humano. A busca, a dor, o fracasso, o encontro, o amor e a esperança vão se delineando nessa série de contos que se entrelaçam quase como se fossem um romance.
Os anseios dos anos 1970 e a falta de perspectiva de concretizá-los são uma realidade que se mostra atual. O sonho pode ter acabado, mas não morreu. E Caio Fernando Abreu mostra isso com perícia, desvendando o ser humano nos seus momentos mais íntimos, buscando a verdade e o conhecimento de si mesmo e do outro ora com poesia, ora com crueza, mas sempre com a sutileza e a ironia de um mestre.
O medo e a insegurança dominam os nove contos que compõem a primeira parte do livro, ?O mofo?, na qual está representada a vida sob a ditadura militar e a restrição de liberdade. A dor permeia toda essa parte, perpassando os oito contos da seguinte, ?Os morangos?. Na última, composta de um único conto, que dá nome ao livro, Caio sinaliza uma esperança: os morangos estão mofados, mas ainda assim guardam o frescor em sua essência.
Numa carta a um amigo, que poderá ser lida no final deste volume, Caio conta o processo de criação de Morangos mofados, a analogia com a música ?Strawberry Fields Forever?, o mergulho sofrido e necessário no mundo interior para dele extrair a literatura, além de sua admiração por Clarice Lispector e Dalton Trevisan. Então, esclarece por que o último conto tem um cunho positivo: o personagem se rebelou, libertando-se do autor e decidindo o final à revelia dele.