O escritor tcheco Franz Kafka viu apenas a sexta parte de toda a sua produção ficcional ser publicada. Pouco antes de morrer, confiou sua herança artística ao amigo e testamenteiro Max Brod. As instruções do escritor eram claras: destruir toda a sua ficção impressa (exceto o livro Contemplação), seus artigos publicados em jornal e também seus manuscritos. Brod não atendeu a essas exigências e, graças ao seu empenho em preservar os escritos do amigo, hoje conhecemos uma das mais importantes realizações literárias do século XX.
As obras do espólio começaram a vir à luz com a publicação dos grandes romances: O processo, O castelo e América (hoje O desaparecido). Vieram em seguida, a partir de 1931, as Narrativas do espólio, selecionadas por Brod entre as que lhe pareciam resolvidas formalmente. O volume reúne 31 textos diversos, que variam de tamanho e de feição - o termo "narrativas" era empregado pelo escritor para designar textos que iam da fábula ao aforismo, da reflexão à paródia, do épico à ficção crítica. Como afirma o tradutor Modesto Carone no posfácio, as narrativas curtas que constituem o volume não apenas estão no mesmo nível dos grandes romances kafkianos, como O processo e O castelo, como "garantiriam a Kafka, por si sós, um lugar privilegiado na literatura mundial".