«Tinha eu nove anos, e era órfão. Dois meses depois deste desamparo, com o tenro coração fistulado de saudade, a desbordar de lágrimas, e os ouvidos ainda ressoando-me à alma o estertor da agonia de meu pai, é que eu, pela primeira vez, entrei no Santuário do Bom Jesus. As lembranças, gravadas pelas fugitivas impressões daquela idade, são poucas; mas assim mesmo, em todas as épocas ulteriores que ali fui, o tão remoto passado, com as suas quase delidas memórias, vinha entreluzir-me nas comoções melancólicas do presente. Os grupos piedosos das capelas que prendem a curiosidade da criança, já enternecendo-a com o aspecto doce e aflito de Jesus, já apavorando-a com o gesto sanhudo e esgares ferozes dos soldados de Pôncio, pouco me lembram, salvo um rapaz do meu tamanho de então, que chegava os pregos aos crucificadores do mártir. O que ainda indelevelmente diviso na tela do meu espírito dos nove anos, é as grandes árvores, as sombras escuras. os penhascos musgosos, e, lá em baixo, um oceano de verduras ondulando entre outeiros, e à volta dos presbitérios, casalejos, e edifícios de grande porte, que alvejavam de entre a espessura dos arvoredos.»
No Bom Jesus do Monte [com notas e índice ativo]
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