PAIXÃO De vez em quando Deus me tira a poesia. Olho pedra, vejo pedra mesmo. O mundo, cheio de departamentos, não é a bola bonita caminhando solta no espaço. Eu fico feia, olhando espelhos com provocação, batendo a escova com força nos cabelos, sujeita à crença em presságios. Viro péssima cristã. Todo dia a essa hora alguém soca um pilão: em vem o Manquitola, eu penso e entristeço de medo. ‘Que dia é hoje?’, a mãe fala, ‘sexta-feira é mistérios dolorosos.’ A lamparina bruxuleia sua luz já humílima, estreita de vez o pretume da noite. Comparece, no acalmado da hora, o zoado da fábrica em destacado contínuo. E meu cio que não cessa, continuo indo ao jardim atrair borboletas e a lembrança dos mortos. Me apaixono todo dia, escrevo cartas horríveis, cheias de espasmos, como se tivesse um piano e olheiras, como se me chamasse Ana da Cruz. Fora os olhos dos retratos, ninguém sabe o que é a morte. Sem os trevos no jardim, não sei se escreveria esta escritura, ninguém sabe o que é um dom. Permaneço no alpendre olhando a rua, vigiando o céu entristecer de crepúsculo. Quando eu crescer vou escrever um livro: ‘Pirilampos é vaga-lume?’, me perguntavam admirados. Sobre um resto de brasas, o feijão incha na panela preta. Um pequeno susto, ia longe a cauda da reza. Os pintos franguinhos não cabiam todos debaixo da galinha, ela repiava em cuidados. Este conto ameaça parar, represado de pedras. Só quaresmal ninguém suporta ser. Uma dor tão roxa desmaia, uma dor tão triste não há. A cantina das escolas e a ginástica musicada transmitida no rádio sustêm a ordem do mundo, à revelia de mim. Mesmo os grossos nódulos extraídos do seio, o cobalto e seu raio sobre a carne em dores, mesmo esses sobre os quais eu lançara a maldição: não lhes farei um verso; mesmo esses acomodam-se entre as achas de lenha, querem um lugar na crucificação. Foi cheia de soberba que comecei esta carta, sobrestimando meu poder de gritar por socorro, tentada a acreditar que algumas coisas, de fat