Só quem regressa à cidade de origem depois de muitos anos sabe o que é ser repentinamente tragado pelo turvo córrego da memória. Eis a sensação experimentada pelo escritor João Fonseca Ribeiro, o protagonista de O risco do bordado, ao visitar a velha cidadezinha de Duas Pontes, um típico e encantador microcosmo mineiro. Ali, objetos, perfumes, pessoas e construções têm o condão de trazer, do fundo desse rio, momentos imemoriais que habitam o interior de João.
Duas Pontes preserva os cenários de muitas histórias, como a Casa da Ponte, antigo prostíbulo onde morava Teresinha Virado, aquela que despertou em João os primeiros desejos ardentes. Em outra rua está a casa do erudito Dr. Alcebíades, com sua vasta biblioteca, e ainda os telhados por onde o lendário pistoleiro Xambá correu debaixo de uma saraivada de balas.
Contudo, João tem que tomar cuidado, pois não são apenas boas lembranças que andam por ali: fantasmas e desilusões estão, também, à espreita.
Todo um perfil afetivo mineiro, ao mesmo tempo universal e regional, se descortina na prosa contagiante de Autran Dourado. Lançado em 1970, O risco do bordado foi obsessivamente urdido pelo autor, baseado em uma curiosa série de esquemas e diagramas. O resultado é um livro que consegue a façanha de retratar a experiência da lembrança com um encanto poucas vezes visto.
