A Coleção Mar de Histórias: antologia do conto mundial é composta por 10 volumes independentes que contém, nada menos, que 239 contos, de 192 autores escolhidos entre os melhores de 41 países. A expressão Mar de Histórias foi tirada do título, em sânscrito, Kathâsaritsâgara, de uma antiga coletânea da Índia, do século XI. A sua tradução significa isso mesmo: ?mar formado pelos rios de histórias?. A obra foi organizada há mais de quarenta anos por Aurélio Buarque de Holanda Ferreira e Paulo Rónai, dois dos maiores tradutores e estudiosos da Literatura Mundial em todos os tempos e gêneros.
Enquanto o volume 1 abrange obras escalonadas por dois milênios e o volume 2 se estende por mais de dois séculos, o atual restringe-se aos produtos de menos de cinquenta anos.
É o mais grosso dos três tomos, pois as narrativas se enquadram mais no gênero da novela do que no do conto. A concisão não é virtude da época. Abre o volume E.T.A. Hoffmann, o primeiro mestre moderno do fantástico e do horrível. Em seus contos, diluem-se as fronteiras entre o mundo real e o imaginário, e reponta o apelo ao exótico. Essa última nota é reforçada em ?A cabeça cozida?, do inglês James Morier, imerecidamente esquecido.
E lá vem Stendhal, o tão admirado romancista de O vermelho e o negro e A cartuxa de Parma, que até nas obras menores se revela um veemente apologista da paixão amorosa. Puchkin, o primeiro dos grandes russos cuja invasão triunfal espanta o Ocidente, pinta um temperamento indômito, desses que o romantismo cultuava.
Balzac, a quem muitos conhecem apenas como romancista, inseriu na sua imensa A comédia humana muitos contos de alto valor; o que figura aqui focaliza sua maior descoberta, a mulher, com uma finura psicológica bem típica do autor de A mulher de trinta anos. Com ?Diário de um louco?, de Gogol, entramos noutro território indevassado: o da loucura.
Romancista excepcional, Dickens pôde escrever suas epopeias em prosa graças à popularidade que lhe conquistaram seus contos de estreia, como ?Horácio Sparkins?, um bom exemplo do saboroso humor inglês. Dostoiévski também se revelou contista, embora suas primeiras narrativas atestem qualidades bem outras, entre elas a sensibilidade às manifestações da perversão. ?A Vênus de Ille?, de Mérimée, de tão perfeito equilíbrio, valerá, talvez, como o protótipo da novela. Nela a descrição exata de costumes locais e o divertido retrato de um tipo cômico são completados por um toque de mistério muito habilmente dosado.
O conto filosófico é representado pelos escritos dos norte-americanos Nathaniel Hawthorne (?Davi Swan?) e Edgar Allan Poe (?O homem da multidão?), nos quais somos impressionados menos pela ação propriamente dita que pela multiplicidade de possíveis desfechos que deixam entrever. Outra novela de Poe, ?A carta furtada?, é um dos primeiros espécimes do conto policial, de expansão tão imprevisível, enquanto o francês Gérard de Nerval opera fusão curiosa da literatura de mistério com a história no caso de ?A mão encantada?.
Um dos méritos do romantismo consiste em haver despertado o interesse pelos fairy tales do folclore, cujo tom ingênuo foi, com êxito, imitado pelo dinamarquês Andersen, ídolo das crianças até hoje.
À calorosa solidariedade para com os pobres, manifestada num longo relato de pormenores, deve-se a beleza de ?Mumu?, de Turguêniev, à qual a observação direta confere valor especial.
Por fim, assinala-se que os romancistas exaltaram alguns tipos. Nenhum deles haverá encontrado tamanho interesse como o bandido, esse mesmo que aparece em ?A buena-dicha?, de Alarcón.