Os Quintais daqueles dias
Livro de contos com intenção saudosista, traz mais uma coletânea soberba da criação desse contista e romancista, poeta incansável. Não bastasse tudo que já produziu, JH Henriques mantém-se na construção de contos exemplas. Um fragmento desse compêndio: Ano Santo. Desses que se comemoram com a efusão espessa e tardia de uma memória muito antiga. No centro da luz do mês de agosto, muito antes de um tempo mais remoto em que um passarinho pensava em chuva, o rebuscado das horas era um susto de vento. Havia um estado de complexidade trivial nos ares, a tal ponto sem pecado, que as criaturas achavam nisso até mesmo a inexplicável explicação para o porquê da vida. A proximidade do dia 15 de agosto fazia cachorro salivar como se tivesse visto canela assada de frango; os homens salivavam porque era tempo da festa da Santa e ouvia-se dizer por ali que o ano era Santo. Como a raridade dessas santidades pode ser provada com facilidade, a alegria disso vinha provada nas vestimentas verdes e alaranjadas, as cores por excelência trançadas em condenação de toureiro. De repente, Erasmo mete a mão no bolso de trás da calças e topa com a ausência da carteira. O susto o apanha com a mão vazia. Roubado. A carteira tinha voado. Não havia outra lástima que pudesse explicar aquilo. Era esperto, mas fora afanado como menino. Estupidamente roubado, deve ter sido na hora em que comprava o espelho de bolso daquele cigano que tinha um filho também com cara de cigano e que distraía as criaturas com uma viola portuguesa enquanto a criatura olhava o vazio daquelas coisas desnecessárias. Erasmo olhou a travessura da vida e a sua idiotia. O caso era de voltar lá e gritar. Cadê a minha carteira, ó safado! Porém, os tempos estão modernos em demasia e os ladrões têm mais direitos que todos os honestos reunidos. O mundo é deles. De repente, Erasmo escutou, Deixai vir a mim esse menino que sabe roubar por que é dele o reino dos céus. Então, a solidão de seu mundo teria dúvidas para perdão? O ano era Santo. Os santos sempre têm razão.
Livro de contos com intenção saudosista, traz mais uma coletânea soberba da criação desse contista e romancista, poeta incansável. Não bastasse tudo que já produziu, JH Henriques mantém-se na construção de contos exemplas. Um fragmento desse compêndio: Ano Santo. Desses que se comemoram com a efusão espessa e tardia de uma memória muito antiga. No centro da luz do mês de agosto, muito antes de um tempo mais remoto em que um passarinho pensava em chuva, o rebuscado das horas era um susto de vento. Havia um estado de complexidade trivial nos ares, a tal ponto sem pecado, que as criaturas achavam nisso até mesmo a inexplicável explicação para o porquê da vida. A proximidade do dia 15 de agosto fazia cachorro salivar como se tivesse visto canela assada de frango; os homens salivavam porque era tempo da festa da Santa e ouvia-se dizer por ali que o ano era Santo. Como a raridade dessas santidades pode ser provada com facilidade, a alegria disso vinha provada nas vestimentas verdes e alaranjadas, as cores por excelência trançadas em condenação de toureiro. De repente, Erasmo mete a mão no bolso de trás da calças e topa com a ausência da carteira. O susto o apanha com a mão vazia. Roubado. A carteira tinha voado. Não havia outra lástima que pudesse explicar aquilo. Era esperto, mas fora afanado como menino. Estupidamente roubado, deve ter sido na hora em que comprava o espelho de bolso daquele cigano que tinha um filho também com cara de cigano e que distraía as criaturas com uma viola portuguesa enquanto a criatura olhava o vazio daquelas coisas desnecessárias. Erasmo olhou a travessura da vida e a sua idiotia. O caso era de voltar lá e gritar. Cadê a minha carteira, ó safado! Porém, os tempos estão modernos em demasia e os ladrões têm mais direitos que todos os honestos reunidos. O mundo é deles. De repente, Erasmo escutou, Deixai vir a mim esse menino que sabe roubar por que é dele o reino dos céus. Então, a solidão de seu mundo teria dúvidas para perdão? O ano era Santo. Os santos sempre têm razão.