Ou a Letra ou a Estrela
Esse romance traz uma história comovente, o despertar dos amores em vida de uma personagem pacata. JH Henriques lança mão do cenário de Pedras de Maria da Cruz, cidade na margem direita do rio São Francisco, como cenário para seu texto. O livro é envolvente do começo ao fim e traduz o conhecimento grande de toda a vida ribeirinha, suas plantas e seus animais. Peixes diversos. A forma como pode e deve ser pescado. No centro desse mundo mágico, entretanto, o que conta é o comportamento humano e a explosão dos amores, a possibilidade das conquistas e as negativas que soem acontecer nesse mundo novidadeiro. Fragmento do romance: Mês de novembro em Pedras de Maria da Cruz, tempo em que o rio começava a subir. E nuvens de rabo curto e barriga gorda assumiam posição de aviso nos altos, que ia chover a qualquer hora, sejam os ventos os mesmos que avisam de seu parentesco com água. O rio São Francisco tinha águas limpas ainda, sem aquela limpidez que deixa ver fundo, porém, já em sinais de uma cor de folha de couve cozida, que novembro sempre tem desses arremates que fazem um homem crer que tudo em mundo era abastança e fartura. Assim, de haver as sobras para tudo quanto era lado.
Vinha de lá o Martim pescador, do grande, e trectrectreque no bico, caçava um lugar onde o lambari e a piabinha de rabo vermelho deixavam dança nas águas, pousava arriba, num galho seco de pau-d’arco, ficava a ensaiar como é que se faz para dar o mergulho e sair com o peixe fincado no bico. Do grande, com as cores que cabem demais a um passarinho que corrige curvas e entorta retas. Afastado de tudo, somente alicerçado em cuidados por conta das vozes que vinham das mulheres que cantavam arriba, num além de barranco, de menino que cuidava de soltar papagaio e de um berro agônico de vaca que se abatia, o martim-pescador deixa o corpo pender e sai com grande vantagem de pulo. Embora nem pulo seja, mas a flecha que trouxe enfiada nos genes entre o rabo e as asas.
Subitamente, o olho que enxerga é o mesmo que pesca e sai com a vitória compacta no bico. O peixe em brilho, miúdo, quase que grande demais para ele. Um retrato perfeito da organização. Em seguida, permanece com a presa enfiada no bico para lhe sentir as ganâncias do movimento e do alento da vida. O músculo compacto ainda, a sensação de que a escama é elétrica o suficiente para saber-se a todas as resmas de sol alto. Joga a parte que lhe cabe na goela e engole, quase que a parir os olhos através das penas de teor verde-azulado, as que fazem do pescoço o eriçado do conforme, a grandeza do brilho. Trectrectreqe. Coisa mais engraçada e simples, de tal sorte que se lança no ar depois de marcar o galho seco do pau-d’arco com a graça branca da borrada. Cumpre a sina da viagem. Engoliu um mandi miúdo com ferrão e tudo. Com ferrão e tudo.
Eu tinha vinte anos de idade naqueles dias. O ano era de 1971, época grandiosa e que me apanhava com liquidez de humores, de tal sorte que eu podia deslumbrar demais as ciências que a natureza risca sobre o mapa das criaturas. Pedras de Maria da Cruz era vilarejo que escorria ao longo do rio, sobre as barrancas, em termo dependurado mais que fincado, de tal sorte que aqui e acolá os dentes do lugar iam fazendo suas raízes, ora suas cáries. Povo todo, eu pensava, não tem o que fazer aqui, maioria de pescadores e suas mulheres, alguém cultivava mandioca no quintal e limoeiros onde quer que ele nasça e faça figura. E para se ver o certo, que os mamoeiros em cada lance de terreno ficavam por conta do plantio feito pelo sanhaço, o passarinho mais passarinheiro que pode haver sobre a face desse mundo de muitos sóis e sobra de cascalheira. De qualquer maneira, a vida seguia seu curso sem grandes alterações, sem nada que pudesse destoar do silêncio que rio costuma ciciar.
Esse romance traz uma história comovente, o despertar dos amores em vida de uma personagem pacata. JH Henriques lança mão do cenário de Pedras de Maria da Cruz, cidade na margem direita do rio São Francisco, como cenário para seu texto. O livro é envolvente do começo ao fim e traduz o conhecimento grande de toda a vida ribeirinha, suas plantas e seus animais. Peixes diversos. A forma como pode e deve ser pescado. No centro desse mundo mágico, entretanto, o que conta é o comportamento humano e a explosão dos amores, a possibilidade das conquistas e as negativas que soem acontecer nesse mundo novidadeiro. Fragmento do romance: Mês de novembro em Pedras de Maria da Cruz, tempo em que o rio começava a subir. E nuvens de rabo curto e barriga gorda assumiam posição de aviso nos altos, que ia chover a qualquer hora, sejam os ventos os mesmos que avisam de seu parentesco com água. O rio São Francisco tinha águas limpas ainda, sem aquela limpidez que deixa ver fundo, porém, já em sinais de uma cor de folha de couve cozida, que novembro sempre tem desses arremates que fazem um homem crer que tudo em mundo era abastança e fartura. Assim, de haver as sobras para tudo quanto era lado.
Vinha de lá o Martim pescador, do grande, e trectrectreque no bico, caçava um lugar onde o lambari e a piabinha de rabo vermelho deixavam dança nas águas, pousava arriba, num galho seco de pau-d’arco, ficava a ensaiar como é que se faz para dar o mergulho e sair com o peixe fincado no bico. Do grande, com as cores que cabem demais a um passarinho que corrige curvas e entorta retas. Afastado de tudo, somente alicerçado em cuidados por conta das vozes que vinham das mulheres que cantavam arriba, num além de barranco, de menino que cuidava de soltar papagaio e de um berro agônico de vaca que se abatia, o martim-pescador deixa o corpo pender e sai com grande vantagem de pulo. Embora nem pulo seja, mas a flecha que trouxe enfiada nos genes entre o rabo e as asas.
Subitamente, o olho que enxerga é o mesmo que pesca e sai com a vitória compacta no bico. O peixe em brilho, miúdo, quase que grande demais para ele. Um retrato perfeito da organização. Em seguida, permanece com a presa enfiada no bico para lhe sentir as ganâncias do movimento e do alento da vida. O músculo compacto ainda, a sensação de que a escama é elétrica o suficiente para saber-se a todas as resmas de sol alto. Joga a parte que lhe cabe na goela e engole, quase que a parir os olhos através das penas de teor verde-azulado, as que fazem do pescoço o eriçado do conforme, a grandeza do brilho. Trectrectreqe. Coisa mais engraçada e simples, de tal sorte que se lança no ar depois de marcar o galho seco do pau-d’arco com a graça branca da borrada. Cumpre a sina da viagem. Engoliu um mandi miúdo com ferrão e tudo. Com ferrão e tudo.
Eu tinha vinte anos de idade naqueles dias. O ano era de 1971, época grandiosa e que me apanhava com liquidez de humores, de tal sorte que eu podia deslumbrar demais as ciências que a natureza risca sobre o mapa das criaturas. Pedras de Maria da Cruz era vilarejo que escorria ao longo do rio, sobre as barrancas, em termo dependurado mais que fincado, de tal sorte que aqui e acolá os dentes do lugar iam fazendo suas raízes, ora suas cáries. Povo todo, eu pensava, não tem o que fazer aqui, maioria de pescadores e suas mulheres, alguém cultivava mandioca no quintal e limoeiros onde quer que ele nasça e faça figura. E para se ver o certo, que os mamoeiros em cada lance de terreno ficavam por conta do plantio feito pelo sanhaço, o passarinho mais passarinheiro que pode haver sobre a face desse mundo de muitos sóis e sobra de cascalheira. De qualquer maneira, a vida seguia seu curso sem grandes alterações, sem nada que pudesse destoar do silêncio que rio costuma ciciar.