Paisagem de porcelana, o aguardado segundo romance de Claudia Nina, é um road book às avessas. O ímpeto da aventura, em vez de atiçar a viagem por estradas e paisagens exóticas, desencadeia um perturbador processo de introspecção e imobilidade. A trajetória da jovem protagonista, narrada em primeira pessoa, descreve de forma lírica e delicada uma investida na névoa: a história de terror e solidão cujos contornos a memória ? ou será a loucura? ? tratou de embaralhar.
Exercendo o estilo original que já havia demonstrado em Esquecer-te de mim, no limiar da prosa poética, Claudia Nina descreve o momento-limite, a crise absoluta, o esfacelamento. O ponto em que a vertigem da perda amorosa e da solidão se converte mesmo em degradação física ? a consciência do corpo desgarrando-se de si.
Encurralada pela paisagem de estranhas amplidões, a jovem viajante ? cujo nome só será revelado a certa altura do romance ? mantém seu tênue contato com o mundo por meio de apenas três pessoas. Yasuko é a vizinha japonesa de quem se torna cúmplice cotidiana, mas de quem se perde por completo. Peter é o professor afetuoso, porém distante na geografia. Ernest, filho de paquistaneses, é o namorado, mas também a personificação da tragédia: é ele que encarna, pouco a pouco, os olhos de fera do javali. É ele que a ameaça e a leva mais para perto do abismo. É ele que, pouco a pouco, enlouquece.
Ou será que é a protagonista-viajante quem vai, dia a dia, enlouquecendo? Tudo é movediço em Paisagem de porcelana. Não frágil ? instável, isso sim. Transtornado pelas reviravoltas e desmentidos de uma narrativa que parece emergir como fluxo, em que ?os episódios vêm em golfadas? e a narradora assume, já nas primeiras linhas, que ?a memória não tem detector de mentiras?. Tudo é inconstante, exceto aquela tarde de janeiro na estação de Amsterdã, em 1998, começo e fim de uma viagem perturbadora pelos labirintos da angústia e do medo.