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    Sentimento do mundo

    Por Carlos Drummond de Andrade
    Existem 9 citações disponíveis para Sentimento do mundo

    Sobre

    Publicado em 1940, Sentimento do mundo permanece, tantos anos depois, ainda um dos livros mais celebrados da carreira de Drummond. Não é para menos: o livro enfileira poemas clássicos como ?Sentimento do mundo?, ?Confidência do Itabirano?, ?Poema da necessidade? - é possível que versos do livro inteiro tenham sido impressos no inconsciente literário brasileiro, tamanha é sua repercussão até hoje.

    Já estabelecido no Rio e observando o mundo (e a si mesmo) de uma perspectiva urbana, o Drummond de Sentimento do mundo oscila entre diversos polos: cidade x interior, atualidade x memórias, eu x mundo. Perfeita depuração dos livros anteriores, este é um verdadeiro marco - e como se isso não bastasse, é o livro que prepara o terreno para nada menos do que A rosa do povo (1945). Por isso a ênfase, ao longo de todo o livro, na vida presente.

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    Citações de Sentimento do mundo

    A ironia cáustica quase desaparece, cedendo lugar a uma espécie de prontidão do eu para os outros homens, o que não exclui que ele se sinta tantas vezes impotente e solitário, e escreva poemas de intensa amargura mesmo dentro dessa nova perspectiva, como “Canção de berço”.

    O livro todo, esse poema em particular, apresenta imagens de um sujeito em constante luta interna, que precisa pensar duramente contra si mesmo, seus hábitos mentais e sociais, além dos estéticos, para efetivar a superação da perspectiva individualista anterior.

    Ocorre que Sentimento do mundo é antes um livro de tomada de consciência do que de adesão franca às lutas do mundo.

    LEMBRANÇA DO MUNDO ANTIGO Clara passeava no jardim com as crianças. O céu era verde sobre o gramado, a água era dourada sob as pontes, outros elementos eram azuis, róseos, alaranjados, o guarda-civil sorria, passavam bicicletas, a menina pisou a relva para pegar um pássaro, o mundo inteiro, a Alemanha, a China, tudo era tranquilo [em redor de Clara. As crianças olhavam para o céu: não era proibido. A boca, o nariz, os olhos estavam abertos. Não havia perigo. Os perigos que Clara temia eram a gripe, o calor, os insetos. Clara tinha medo de perder o bonde das 11 horas, esperava cartas que custavam a chegar, nem sempre podia usar vestido novo. Mas passeava no jardim, [pela manhã !!! Havia jardins, havia manhãs naquele tempo!!!

    Teria vergonha de chamá-lo meu irmão. Ele sabe que não é, nunca foi meu irmão, que não nos entenderemos nunca. E me despreza…

    Provisoriamente não cantaremos o amor, que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos. Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços, não cantaremos o ódio porque esse não existe, existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro, o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos, o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas, cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas, cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte, depois morreremos de medo e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

    As crianças olhavam para o céu: não era proibido.

    MUNDO GRANDE Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores. Por isso gosto tanto de me contar. Por isso me dispo, por isso me grito, por isso frequento os jornais, me exponho cruamente [nas livrarias: preciso de todos. Sim, meu coração é muito pequeno. Só agora vejo que nele não cabem os homens. Os homens estão cá fora, estão na rua. A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava. Mas também a rua não cabe todos os homens. A rua é menor que o mundo. O mundo é grande. Tu sabes como é grande o mundo. Conheces os navios que levam petróleo e livros, carne e algodão. Viste as diferentes cores dos homens, as diferentes dores dos homens, sabes como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso num só peito de homem… sem que ele estale. Fecha os olhos e esquece. Escuta a água nos vidros, tão calma. Não anuncia nada. Entretanto escorre nas mãos, tão calma! vai inundando tudo… Renascerão as cidades submersas? Os homens submersos — voltarão? Meu coração não sabe. Estúpido, ridículo e frágil é meu coração. Só agora descubro como é triste ignorar certas coisas. (Na solidão de indivíduo desaprendi a linguagem com que homens se comunicam.) Outrora escutei os anjos, as sonatas, os poemas, as confissões patéticas. Nunca escutei voz de gente. Em verdade sou muito pobre. Outrora viajei países imaginários, fáceis de habitar, ilhas sem problemas, não obstante exaustivas e convocando [ao suicídio. Meus amigos foram às ilhas. Ilhas perdem o homem. Entretanto alguns se salvaram e trouxeram a notícia de que o mundo, o grande mundo está crescendo todos os dias, entre o fogo e o amor. Então, meu coração também pode crescer. Entre o amor e o fogo, entre a vida e o fogo, meu coração cresce dez metros e explode. — Ó vida futura! nós te criaremos.

    Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores.

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