Debilitação de esquemas cristalizados de unidade, pureza e autenticidade. Configuração da cultura como processo de montagem multicultural. Deslocamentos, descentramentos. Diálogo entre culturas, troca de saberes. Tensões entre o global e o local, que não desaparecem frente ao caráter transnacional das tecnologias e do consumo de produtos simbólicos. Estes são pontos da pauta das preocupações desta virada de século, que testemunha a não homogeneidade das culturas nacionais. Estes são também pontos anunciados pelos ensaios de Uma literatura nos trópicos (1978), que em boa hora a editora Rocco recoloca à disposição do leitor.
Silviano Santiago experimentava ali uma metodologia de leitura e sua contextualização histórica. A permanência desses ensaios justifica se, portanto, por seu método, mas não só. Há uma sedimentação da tradição de pensar nos trópicos, indagando o que é produzir cultura numa província ultramarina, para pôr em xeque a dependência cultural. Modos de fazer uma literatura: modos de lê la ? nos trópicos ¬ ambos através da contribuição do que é produzido nos países hegemônicos. Apesar de dependente, universal.
Este é um livro, pois, que ajuda a interpretar o país não como um fenômeno autônomo, mas em permanente diálogo com a cultura do Ocidente. Astúcia de um olhar periférico, que avalia a dependência cultural, não para negá la, mas como estratégia do jabuti, atitude afirmativa capaz de autorreconhecer se como valor diferencial.
Repensam se, assim, valores impostos pela dominação. Um Cescentramento que desloca a cultura europeia de seu lugar privilegiado de cultura de referência, pondo em causa a descolonização do pensamento brasileiro e latino americano. Transmutação de valores, que o contato entre culturas diferentes provoca.
Entre assimilação e agressividade, aprendizagem e reação, obediência e rebelião, realiza se "o ritual antropófago da literatura latino americana". Ecoam a contribuição de Oswald de Andrade e dos estudos antropológicos.