No Urubuquaquá, no Pinhém reúne ?O recado do morro?, ?Cara-de-Bronze? e ?A estória de Lélio e Lina?, novelas de João Guimarães Rosa que também foram publicadas em Corpo de baile.
Sobre as duas primeiras novelas, o autor comentou: ??O recado do morro? é a estória de uma canção a formar-se. Uma revelação, captada não pelo interessado e destinatário, mas por um marginal da razão, e veiculada e aumentada por outros seres não reflexivos, não-escravos ainda do intelecto: um menino, dois fracos de mente, dois alucinados ? e, enfim, por um artista; que, na síntese artística, plasma-a em canção, do mesmo modo perfazendo, plena, a revelação inicial. Assim como ?O recado do morro? trata de uma canção a fazer-se, ?Cara-de-Bronze? refere-se à poesia.?
E, se seguirmos assim os rastros do autor na busca de um tema central para cada novela deste livro, ?A estória de Lélio e Lina? refere-se, sem dúvida, ao amor, o amor tanto carnal quanto espiritual, que exibe sua unidade e força: Lélio, jovem vaqueiro desiludido por ter sido rejeitado pela mocinha por quem se apaixonara, e Dona Rosalina, ?velhinha como-uma-flôr?, ainda viva ?no aceso rideiro dos olhos?, se afeiçoam um ao outro no instante mesmo, ?transpassado de tranquilo por um tiro de raio?, em que se conhecem, como se já se conhecessem há muito tempo. Ele quer aprender sobre o amor, ela quer ensiná-lo. Ela quer amá-lo como a mãe que ama seu filho, e ele quer ser amado e ?olhado por aqueles olhos?, que fazem os homens destremerem e rirem de suas urgências e medos. Essa é a ?valia que não se mede nem se pede ? se recebe?.
Mas como se sabe que o autor cria muitas vezes pistas falsas para pedir a seus leitores um pouco mais de atenção, também é provável que esses temas centrais se misturem e que, tanto no Urubuquaquá quanto no Pinhém, se fale de um único e múltiplo assunto: o homem em seus momentos mais agudos, em que a sua humanidade o desnuda para si mesmo e o faz transcender a sua própria condição. É o que parece indicar a irmandade entre os personagens que desencadeiam o cerne das estórias: Gorgulho, um velhote esquisito que mora sozinho numa casa de urubus e que escuta o recado do morro a ser repetido, divulgado e transformado; Cara-de-Bronze, um vaqueiro para - lisado pela doença, mas cujo coração na velhice estala, desejoso de saber a poesia das paisagens e dos lugares de sua origem; Dona Rosalina, a quem, pela leveza dos gestos e o brilho da voz, Lélio confunde com uma mocinha apanhando gravetos na estrada. Todos entrados em idade, mas todos capazes de ouvir algo mais: o enigma da mensagem que se quer decifrar, a beleza das palavras dos vaqueiros, a generosidade da memória que partilha a sabedoria das coisas do amor.
